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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Um Dia (ou crônica final)

"Mas um dia, um dia tudo estará resolvido..." - com semelhantes palavras dei início a esse ano e a este blog. Um ano se fez (ou quase) e se desfaz; o que foi feito? Digo, numa palavra, e com muito orgulho, pois, que inúmeros atos se deram por satisfatoriamente realizados - capítulos de uma história não mais tão anônima assim... Corações, condições, situações; pensamentos exteriorizados, constantes alternâncias, angústias compartilhadas. Conheci amigos, paguei contas, atingi objetivos pré-estabelecidos, conclui assuntos mal-resolvidos - segui em frente (sempre em frente!). Não obstante, continuei no mesmo lugar de sempre; um retorno talvez, quiçá um novo começo (quem sabe)... Incertas certezas, um dia de cada vez, dinamismo - aí estou eu, aonde quer que vá.
Experiências, tudo se tratou de experiências. Equivoquei-me, como sempre - é bem verdade. Mas, não obstante, não me neguei um momento sequer. E mesmo que mantivesse a incoerência, a estranheza e a excentricidade, toquei a alma feminina - ainda que houvesse sido um esbarrãozinho de meia pataca tão somente... Aos diabos!, eu sei que o consegui! E isto, coisa curiosa, isto se tornou a maior concretidão de meus passos ao longo dos dias tais...
Além disso, três décadas de vida - e os cabelos brancos, e as protuberâncias, e os rezingões -, pedaladas inconvenientes afora, espiadelas de praxe e o diabo a quatro. Sim, o diabo - o próprio... Afinal de contas, se não acreditas no diabo, ele acredita em ti, quá-quá-quá!
De algo que escrevi possuo vaidades. Ainda que vãs, sem sentido; vaidades. Sei da beleza, da sinceridade - da ironia, vê bem, isso é muito importante! - e da profundidade de tamanhos dizeres capazes de serem encontrados por aqui. Amores e vontades estão neles. Projetos futuros - e o melhor de tudo: já vivos e em prática - brotam aos montes no lado mais inefável e incompreensível de minha mente. Não obstante, perfeitamente tangível. Eu sou um livro aberto - e assim começo o novo caminho, os meus dias extremos.
Digo-te que perdi o meu medo da chuva. (A inquietude, jamais.) Lembranças remotas, uma leve ansiedade e nada mais. Que as águas façam o que devem fazer - assim como eu, palavras soltas por aí...
Estou pronto para o que virá. Continuarás tu comigo? Não importa, mantenho-te em minhas verdades.
(Um ano novo - ah!, quem não precisa dele?)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mensagem De Natal

Quanto tempo nós possuímos? Não muito; não obstante, o suficiente. O suficiente para fazermos o necessário e o almejado. Basta agir - e pensar, e pensar... - por si. Não façamos do tempo um artigo de luxo ou motivo de revolta. Hoje não somos mais os mesmos de ontem, assim como amanhã seremos igualmente diferentes; que isto se conserve por todo o tempo - melhor dizendo, pelo tempo suficiente.
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Pois bem, uma mensagenzinha altruísta era a minha intenção inicial. Semelhante intenção se encerrou naquelas primeiras linhas - é tudo o que consigo no momento... Sinto muito em não me portar como o esperado. Sinceramente, eu sinto mesmo muito. No entanto, meus sentimentos permanecem; nunca encontrarás pessoa como eu: a ausência de preconceitos e a admissão de erros e culpas são condutas singulares. E o amor, o amor despojado - o simples e indizível estado permanente de admiração, respeito, confiança e compreensão, jamais defasado, perpetuamente cultivado -, livre e isento de condições e retribuições, esta motricidade que me leva a atos, escolhas e decisões, de fato, tal plenitude e concretidão de íntima consciência tornar-se-á única em tuas impressões. Talvez leves a vida inteira para perceber o que sou, quiçá não haja tempo o suficiente para tal realização. Não importa. Teus olhos, tão somente teus olhos neste momento - e nada mais, nada mais me faz vital, isto juro a ti - são as testemunhas de que preciso. Presencia meus mistérios - os equívocos, a dramaticidade, já conheces de cor. Um longo inverno foi vencido; meus frutos virão, ah!, eles virão... Um dia, um dia.
Tenho aversão ao passado; ver-me em melhores condições no ontem, e não no hoje, simplesmente destrói toda a minha vontade. Numa palavra, trata-se do fim. Não obstante, desgosto de criar responsabilidades para o futuro - deixo os dias como estão. E embora eu desconheça o mínimo que seja do rumo que minhas próximas atitudes tomará, sinto pela primeira vez (e isso durante um longo tempo) que de fato estou vivo. Não se trata de meu querer que tais atos se vertam em negligências e incômodos - porém, será inevitável. Ao final destes parágrafos tudo soará como uma despedida; que seja assim... Explicações não há, tampouco rusgas ou desordem. É, sim, uma despedida; voarei em direção ao novo ano - à aceitação do anonimato, do comum, do cotidiano. No entanto, lembra-te de um único dizer de minha parte e serei eterno. Feito pedra, rocha, nuances deixadas por ondas já desfeitas de mar.
Eu te prometo, estas são as minhas últimas palavras - não busques o porquê (afinal a curiosidade nunca fez parte de teus interesses). Meus pés agora são meus o bastante para seguir em frente... Nossos caminhos jamais foram os mesmos - para quê adiar novamente? Não desejo mais a agonia; os sonhos já me foram tolhidos, todos eles sepultados. A felicidade, não quero escrever sobre ela. Não obstante, continuar é preciso. Defenderei perante a morte todas as tuas vontades, mas não quero mais saber de ti. Abraço o que sou. (E que venham os dias extremos!...)
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No momento adequado, ao nosso tempo, saberemos como pensar - e agir. Isso é tudo o que importa, a única certeza que possuo. Todos nós saberemos; todos nós possuímos. Não precisamos de mais nada, de mais ninguém - a não ser de nós mesmos... Tão somente de nós mesmos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Crônicas De Um Miserável (uma sexta-feira agradabilíssima - parte dois)

Ah, mas sessenta minutos de intervalo não passam de uma miséria - como, eu lhes pergunto, como se é possível satisfazer todas as necessidades de um simples e ordinário homem em tão pouco tempo? E o direito à sesta, senhores, onde fica? Quinhentas mil e uma maldições, o inferno aguarda por vossas malquistas almas - todos vós, detentores do poder! Tão somente duas classes cultivam certas regalias: os fidalgos e os descabidos. E ainda que eu ostente pretensões a ambas, bem, este não é momento para semelhante vislumbre; afinal todos esses meus sessenta minutos, um por um, já se encontram esvaídos. Mas, não obstante, continuar é preciso, é preciso! Com o quê, sabe-se lá... Ah!, sim, sim, a história... A curiosa história daquela fagueira senhorinha, assim como o desenrolar de minha sexta-feira agradabilíssima. Sem mais nem mais - continuemos, continuemos!
A tarde ocorreu tranquila, contradizendo toda a expectativa, ainda que vã, minuciosamente elaborada pela manhã (e durante a noite anterior, por que não?) já exaurida; óbvio, para tudo isso se possui um bom motivo: um intrigante par de pernas - digo, senhores, uma mente brilhante e um semblante simpaticíssimo. Meus caros colegas de repartição já não faziam mais nada além de exercer o papel da insignificância. E assim fui coroado com breves e fugazes quatro horas esvoaçantes de labuta naquela sexta-feira.
Mas, não obstante, esperanças não havia - aprendera a sobreviver isento de ilusões. Embora a imagem de minha ilustre e oportuna cliente permanecesse feito véspera de feriado em minhas irrelevantes lembranças, a opção primeira e mais prudente para minha condição era a exímia arte do macaqueado equestre - em outras palavras, fingir-se de égua. E foi esta justamente a conduta de meu comportamento agudo, ao longo dos minutos finais daquela tarde; instantes precedentes do soar libertador das dezessete horas, chamadas instigadoras brotavam tal qual chuva de verão em meu aparelho celular...
- Oh, miserável! O que vamos fazer, digo, beber hoje à noite?
- Seu tunante irremediável, antro de defectibilidades, qual é?, o mesmo bar da última semana?
- Mas, pois, sem desculpas dessa vez, pague-me sua dívida ou conto para minha irmã aquele nosso pequeno segredinho... Pague-me em uísque, sem mais nem mais!
Ah, meus amigos... Numa palavra, meus amigos são tão - como se diz? - criativos e imprevisíveis... Ora, mas que diabos se faz numa sexta-feira além de se embriagar? Fiquemos bêbados, eu também lhes afirmo - a comunhão de fato se é concebida tão somente num estado pleno de ebriedade, quá-quá-quá!
Pois bem - antes de me enveredar em mesas de bares noite adentro, uma breve e necessária ida em casa; banho, roupas limpas etc. Antes disso, uma cervejinha, apenas uma cervejinha!... Afinal, tenho nada mais a fazer - a pensar, bem, tal estado completo de ausência de atividades se torna impossível. Contas, futebol, dívidas, mulheres, crises existenciais, mulheres, idade avançada, parcos vencimentos, mulheres, o sentido da vida, aquela senhorinha... Aquela senhorinha de olhar arredio, e narizes empinados! “Está decidido: uma cervejinha tão somente e depois irei para casa.”
Companheiros para tal intuito existem aos montes - se ainda assim, em casos de extrema infelicidade, esses se encontrarem em falta, basta sentar-se em soledade e oferecer uma rodada livre. Abutres e bebedores compulsivos se prontificam com um estalar de dedos - e um abrir de carteiras, eh eh eh! Mas, não obstante, antes mesmo de qualquer percepção de minha parte, ao penetrar no recinto costumeiro das sextas-feiras às dezoito horas e pouco, já fora identificado por alguns destes companheiros...
- Mais uma cadeira, garçom!... Nosso maldito contador de anedotas veio rezar em nosso culto hoje!
- Apenas uma cervejinha, irmãos! - digo eu; ora, pois, ajoelhou-se, há de rezar, quá-quá-quá! - Preciso despir-me de toda a imundície do cotidiano e me purificar nas benditas águas termais da tecnologia da eletricidade, ainda que a obrigatoriedade do pagamento em dinheiro por tais seja notória, é bem verdade...
- Quem é este? Um pastor forasteiro?... - havia pessoas inéditas para mim naquela mesa; para meu infortúnio, nada de interessante. Também pudera, não estava presente, dentre as minhas intenções e expectativas para aquele local, encontrar misses ou artistas; apenas gente comum, miserável, assim como eu. Ótimo, senhores, ótimo!...
Após a minha cerveja planejada - na verdade foram três, mas, no entanto, quem de fato esperava que eu cumprisse ao pé da letra semelhante e única promessa? - fui-me assear em casa. As horas ainda eram poucas; uma noite agradabilíssima era anunciada. Súbito, meu celular começara a funcionar novamente - era uma chamada. Um chamada, senhores!, e adivinhem de quem? A pessoa mais improvável a ostentar tal intenção naquela noite de sexta-feira - nem tanto, admito; não se trata de meu objetivo elevá-la a um pedestal de mármore, tampouco vesti-la sob fios de ouro. Sim, senhores, senhores meus... Aquele número piscando freneticamente diante dos olhos deste inconveniente narrador pertencia àquela senhorinha - à minha senhorinha, digo, mui formosa cliente. Volto a afirmar: por uma horda e meia de diabos mal-cuidados, mas que noite, que noite agradabilíssima!
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Um esclarecimento. Felicidades são momentos; vivemos afirmando que somos felizes, mas não o somos. Juramos felicidades a pessoas que detém nossa admiração, porém sabemos no fundo que tal promessa é injusta. Momentos não passam de momentos - unicidades. Gastamos uma semana inteira! lamentando e praguejando, para finalmente em um dia, uma noite - ou uma ligação, tão somente uma ligação... -, explodirmos em um êxtase inexplicável. Isto, senhores, isto é a felicidade! Algo improvável, imune a quaisquer prescrições. E, nada mais compreensível, em momentos assim agimos feito infantes - precoces. Afinal, dias, meses, semanas - e por que não anos e existências? - presenciando ordinariedades e frustrações nos levam a tal comportamento igualmente inesperado. “É próprio da dor fazer reaparecer o lado criança do homem.” - está aí uma frase justificável. Portanto, não julguem as patacoadas inefáveis que tomarão nota daqui em diante; trata-se de infantilidades, nada mais que isso. Eis, pois, o ocorrido.

sábado, 27 de novembro de 2010

Essa Chuva Que Não Para...

Um ano. Um ano se desfez - exatamente não sei; mas um ano se trata de muito tempo. Talvez não (afinal, já supostamente vivi trinta deles). Não obstante, os dias se vão e não voltam mais. As mudanças, se há de verdade, as transmutações, as convicções constantemente vencidas ou defasadas registram tão somente lembranças esvaídas - lembranças que, ainda assim, servem como provas de uma vida fortalecida em equívocos. Uma pequena sala branca, igualmente um ventilador - com alguns toques em azul, é verdade -, papel e caneta, e uma mente já não tão perturbadora assim; lá fora, ela, a chuva.
Duas horas. Este é o tempo imprevisto que o acaso me presenteou - agora. Não estou com pressa, não estou com sono (é manhã, por mais incrível que pareça); não há tarefas, tampouco vontades, anelos. Só o tempo, a chuva... Faz mal não, faz mal não! Creio que aprendi a esperar; ao menos ando lidando de forma surpreendente com tal fenômeno. As águas desabando seus infortúnios em terras de homens me dizem o que fazer. “Espere!” - Para quê? Eu pergunto. Costumava perguntar... Para quê, perguntas? Agir eu já sei; aguardar se faz necessário. Um dia, um dia a chuva encerrar-se-á - um dia, um mês, uma hora... Que diferença faz?
Pessoas. Presenças, ausências. Inconstâncias - de quê se trata o eterno? Não quero mais eternidades, não sou uma divindade - não acredito mais nelas. Admito valores, confortos, e nada mais; quiçá um dia, um dia possa eu vir a desejar semelhanças tais. Mas, não obstante, não neste momento. Quero viver, esperar se de fato for preciso. Onde estão aqueles de meu interesse? Afastei-os de mim. E o que restou além dos pensamentos? Alternâncias, transformações. Mudanças e pensamentos. É bem verdade, parece, as convicções e o homem são coisas muito diferentes (devo-lhe essa, meu amigo Chátov!). E a chuva, a chuva lá fora já não mais me assusta - ela me faz rir, galhofeira que é.
No entanto, uma idéia, uma idéia fixa se mostra intrínseca em minha atual condição. Algo que me impele a mais alta compreensão e o sentido de toda a existência, de toda e qualquer justificativa do amor pela humanidade que se manifesta em mim. O ódio, para quê o ódio, se todas as vontades comungam? Felicidades são dádivas, raridades valorizam décadas de atos e sensações; não obstante, as pessoas continuam sendo as mesmas - inseguras, eufóricas, apáticas, altivas. Continuamos vivendo, continuamos vivendo... (Com chuva ou sem chuva, continuamos vivendo; seguimos em frente!)

domingo, 14 de novembro de 2010

Crônicas De Um Miserável (uma sexta-feira agradabilíssima - parte um)

Pois bem, uma sexta-feira. Finalmente; uma sexta-feira. Havia acordado dormindo, como de hábito - passara a noite anterior fazendo sei lá o quê, até não sei quais adiantadas horas da madrugada. Quanto tempo perdido, senhores! Mas, não obstante, certo alguém já afirmara que perder-se é ver-se livre - ora, não é mesmo? Ademais, uma sexta-feira justifica quaisquer inépcias - ah!, e eu produzo tantas, tantas! -, não só de meu feitio, mas de toda a desmesurada humanidade. Afinal, sexta-feira só existe uma, ao longo de uma semana inteira... Aos diabos com esse mundo atroz!
- Ao trabalho, ao trabalho, ignóbil ser imprestável!
E assim começara aquele dia insone - não por vontade própria, mas tão somente por necessidade plena. Um desastre, a pobreza é mesmo um desastre...
De fato, eu nunca havia morrido de amores e orgulhos por meu ofício (e por todos os meus estimados colegas, digo, antes de qualquer coisa), porém - igualmente verdade - algo eu deveria realizar. Afinal, um homem sem trabalho não é um homem; e quanto a isso, bem, numa palavra, senhores, eu sou inflexível, irredutivelmente inflexível! Não obstante, uma alegriazinha sempre se é presenciada - até mesmo na iminência da (auto) desgraça, senhores! E, nada mais que um belo e furtivo sinal do que tamanho e aguardado dia estaria reservando para este humilde narrador, eis, pois, que ela resolveu dar o milagre de sua presença. Ai, ai (suspiro)...
Uma adenda: ela significa a fulaninha que, numa palavra, vale por um dia exaustivo de trabalho - tudo bem, eu confesso, um dia não tão exaustivo assim, eh eh eh! Descrições? Bem, pois, ela não é tão bonita como deveria ser, mas, não obstante, perfila-se tal qual boneca de vitrine. Uma maravilha, senhores!... Só vendo. Voltemos ao quiproquó.
Estava eu na mais azafamada expectativa pela minha libertação, ainda que cíclica, lutando contra os ponteiros do vil relógio de parede situado defronte às minhas lastimosas e torpes querelas que teimavam em remar contra a maré, quando aquela delgada e esguia senhorinha resolveu aparecer. Ela havia solicitado os nossos serviços de despacho faz poucos dias - talvez uma semana ou mais, bem, não somos ávidos assim por solucionar encargos tão celeremente -, e estava um tanto quanto que reclamando urgência por um fim em seus suplícios. No entanto, ela se mantinha, sempre que me visitava - pois, tal trabalhinho coube a mim, tão somente a mim -, com um sorriso e uma curiosidade; isso me fazia pensar tolices, tecer planos, aproximações etc., numa palavra, coisas do gênero. Qual gênero? O de palhaço, oportuno, prazenteiro... Ah, eu já lhes contei que sou um incorrigível? Nesse caso, eximo-me de toda a culpa. Quá-quá-quá!
Ela tecia palavras, mas eu mal prestava atenção em outra coisa senão em seus detalhes: roupas, cabelos, gestos - tudo no lugar. Aos diabos com o que ela queria, no fim tudo daria certo; bastava ter fé, tão somente uma pequena fé em mim... Óbvio, eu resolveria tudo a tempo, ou no máximo em cima da hora. Afinal de contas, somos todos brasileiros - e faço questão de exercer o meu papel, eh eh eh! E tudo estava caminhando tranquilamente - alguns gracejos de aparência despretensiosa de minha parte, sorrisinhos, ainda que simplesmente por obrigação, da parte dela -, numa palavra, uma manhã de sexta-feira tranquila. Até que ela disse, sem mais nem mais, “adorei o seu corte novo... Sério!” - sério? “Sim, sério.” Obrigado, senhorita não sei de quê, obrigado pela preferência, digo, diligência! E agora, senhores? Poderia eu, por mais miserável que fosse, ficar simplesmente de mãos atadas - melhor dizendo, com os lábios enclausurados? Óbvio, óbvio, senhores, recuso-me a lhes dar semelhante resposta!...
Num átimo, ainda que internamente aquilo durasse para mim horas e eternidades extasiantes e inesperadas, tudo se deu da súbita e seguinte forma: havia prometido para a segunda-feira próxima a solução para todos os problemas dela, e, bem, arrisquei um pouco a minha sorte tentando solucionar também os meus. Problemas, problemas! Ela não disse vírgula a respeito de minha trôpega e confusa, porém incisiva investida; mas também não disse um não! Ah, maldito silêncio inefável de palavras - essas coquetezinhas provocadoras são mesmo danadas! (Mil perdões pela redundância, senhores, mil e um perdões por tamanha deselegância...)
Portanto, aquela manhã terminar-se-ia assim, ostentando expectativas, ainda que de certa forma a um passo da frustração; nada mais interessante ocorreria até o meio-dia. Ela se despedira sem palavras - mas os sorrisinhos a acompanharam até a porta de saída. Ponto para mim - ou não? Não obstante, vale-se notar que, àquela altura das horas presenciadas, o vazio supremo e dominante em meu estômago me tolhia quaisquer capacidades de raciocínio, percepção e impressões. Tal maneira que até do nome de minha ilustríssima visita seria capaz de me esquecer... (Vá lá, vá lá, eu estou mentindo, senhores, isso estava longe de ocorrer. No entanto continuarei omitindo-lhes esta irrelevante informação; afinal de contas, um nome é tão só um nome - um mero detalhe.)
Ah, mas se ainda se perdura algo de sagrado neste crudelíssimo, descortês, ameaçador e precoce mundo da produtividade financeira, um quê intransponível e inviolável; se a sublimidade do humanismo teima em insistir com a sua resistência perante tamanha desconsideração e desigualdade dos direitos universais, este simbólico, necessário e adorado - justificadamente, justificadamente por sinal - ensejo, hábito e ato milenar unicamente é nomeado e conhecido por A Hora do Almoço. Sim, a hora do almoço! - ou os senhores estavam esperando por algo mais vital que isso, advindo de um reles funcionário, digamos, morto de fome, hem? Mantenham-me tal regalia, e unicamente a partir disto sustentarei minha dignidade por toda a minha vida - e tenho dito!
Pronto. Fartar-me-ei de delícias e guloseimas - um chazinho igualmente cairá muito bem. De quem mesmo estávamos falando? Ah, com os diabos, por uma hora inteira não quero saber mais de nada, quá-quá-quá!

domingo, 31 de outubro de 2010

Condição

As relações definem o rumo da humanidade. O amor é a razão maior dos sentimentos - a afirmação de identidades, o sentido de realizações, a justificativa de atos e essências. A luta contra a eterna condição de solidão é constante, ininterrupta, voraz. Portanto, e não há nada mais belo que isso, senhores!, toda história só é verdadeiramente escrita a dois... Tão somente a dois!

domingo, 19 de setembro de 2010

Crônicas De Um Miserável (a origem)

O que vou contar-lhes não se trata de motivo de orgulho ou um quê de fantasia; faz-se aqui simplesmente um infortúnio, um embaraço, um desencontro - tão somente outro em tantos, inúmeros, incontáveis - de meus acasos. Triste, senhores, algo triste, verdadeiramente triste. Mas, não obstante, jocoso. Afinal, feito um moleque parisiense, divirto-me de forma plena justamente por ser um infeliz. Necessidades de preocupações, não há; meus anos ponderadamente avançados já executaram o capital serviço de me tolher a fúria, a revolta, a ira e a indignação, todos tão característicos e presentes no espírito da jovialidade. Não me importo mais, foram-se há tempos tais dias de minha vida. Restou-me a galhofa - ainda que justificada na desgraça própria.
Contudo, seguimos em frente. Sempre em frente!...
Apesar de não ser mais um jovenzinho - alguns cabelos brancos, pelos indesejáveis, protuberâncias inconvenientes, resmungos, rezingões, enfim, uma velhice precoce, eh eh eh! -, continuo a viver sob as asas de meus pais. Nada de vergonhoso perante meus encabulados e trôpegos atos desferidos ao longo de semanas rotineiras - ah!, eu sou mesmo um fracasso, ainda que cômico. Como já foi dito, sem preocupações, zelo ou considerações da parte dos senhores para com minha condição; eu estou bem, de fato. Desejo apenas o riso e a atenção sarcástica de todos - anseio mesmo por semelhantes vieses. Merecimentos, unicamente merecimentos de meu quinhão. Pois bem, possuo também um irmão, um irmão mais novo. Certamente o ser que mais me detesta em toda a humanidade. Mas sem confusões: eu o amo inopinadamente. Nós nos amamos, é verdade. Amo-o como uma criança que adora seu pequeno adorno de pelúcia - maltratado e subjugado diariamente, ainda que presente por toda a eternidade. Afastem-me de meu pequeno irmão um dia sequer e - tenham certeza disso, senhores - perderei o apetite de viver. Tranquem-nos em um mesmo ambiente por trinta minutos e pensarão que se encontram diante de Herodes e uma de suas estimadas vítimas. Como nos entendemos bem!... No mais, nossa casa é habitada apenas por outra pessoa, a faxineira - que nos dá o ar de sua graça semanalmente e não mais que isso. Um encanto. Fico sem palavras toda vez que a vejo adentrar nosso lar a fim de realizar sua sagrada labuta. Como vêem, não possuo o hábito de me explicar as ironias com freqüência - acostumem-se.
Deixemo-la de lado, senhores, por ora, aquela coisinha volumosa e intrigante.
Não se trata de uma residência muito grande - o suficiente. Quartos individuais, sala, cozinha etc. - nada demais ou que justifique linhas e parágrafos extensivos de descrições. Uma inutilidade far-se-ia aqui, caso lhes gastasse o precioso tempo de consideração supostamente concedido a este desditoso que lhes escreve. O único fato digno de nota, ainda que não de orgulho: moramos longe, bem longe. De tudo. Moramos onde certos traidores bíblicos costumam perder seus pertences - botas em especial. Pois bem, continuemos; o tempo urge, senhores! É preciso, é preciso...
Possuo um automóvel. Na teoria, um automóvel. Minha vaidade ferida não lhes permite dizer qual modelo, mas, não obstante, a audácia e o despojo presente igualmente em meus traços se fazem por maior. Um Fiat Uno, anos noventa (e alguma coisa). E só. Nada mais nesse mundo ostenta o meu nome. Sequer sentimentos, sequer sentimentos alheios!... Ninguém jamais morrera de amores por mim. No entanto, a esperança - sim, senhores, ela própria, como sempre -, a esperança não se dissipou por completo. Uma fagulha tão somente. Já que, ademais, sinto-me velho... Ao diabo!, não quero falar sobre isso - pronto, não falarei mais!
À ação, finalmente, à ação. Caso contrário, perder-lhes-ia todos os olhares, a começar por aqueles um tanto quanto despretensiosos...
Uma semana inteira de trabalho. Tudo bem, eu admito, meio período em uma repartição financeira de um escritoriozinho de meia pataca não é uma tarefa das mais desgastantes, no entanto, em se tratando dos níveis de minha disposição para tal, ah!, pode-se dizer que isso já seja uma maldição tamanha. Abençoada, é bem verdade, pois não sou tão assim ingrato. Ainda assim, um pequeno tormento e uma atividade à altura do esquecimento. Portanto, faço igualmente uso das vestes daqueles que praguejam as segundas-feiras - e oram pelas tão aguardadas sextas-feiras... Ah!, as sextas-feiras! Cometo sempre inutilidades - as mesmas, por vezes, sempre as mesmas inutilidades - ao longo de semelhantes dias, particularmente após os seus períodos crepusculares. Já lhes contei que sou um ser irritantemente noturno? Tenho problemas com o sono - ao menos durante os horários habituais. Creio ser isto culpa da ociosidade. (Sim, sou ocioso; provavelmente consequência de minha compulsão pela preguiça - só de pensar em escrever, dá-me uma canseira no cérebro, braços e olhos...) Mas, não obstante, em tal âmbito comportamental, sei de que me situo na média terrestre. Bando de imprestáveis somos nós, eh eh eh! Contudo, de alguma forma, precisamos de diversão - precisamos de diversão! Qual o melhor ensejo para tal? Respondo-lhes, numa palavra, quando se é proibido. Embora as sextas-feiras também sirvam agradavelmente para tamanha finalidade...
Mas cá estou eu divagando novamente - e nada, absolutamente nada de história, senhores!... Eu sou mesmo um incorrigível. Sim, é o que sou, um incorrigível! Não obstante, em tempo estarão ao alcance do conhecimento de todos os lastimosos ocorridos em uma sexta-feirazinha aí de um passado não tão distante de minha vida; algo que por obrigação deveria tratar-me de esquecer, mas que, partindo de uma impulsividade sem explicações aparentes, resolvi não apenas não guardá-los impetuosamente, mas como também lançá-los às posteridades. Ainda que subterrâneas - afinal este é o meu lugar, aqui moram todas as minhas inquietações. Conquanto que tal ato fique para depois, já que toda essa explicação acabou por me tolher o pouco ânimo que me restava há minutos - e as vistas começam a se turvar, e os dedos, por coçar... Basta, basta com toda e qualquer atividade, no momento preciso de descanso!

sábado, 18 de setembro de 2010

Um Conto De 5 Minutos

Ela possuía uma vontade imensa de sair de casa. Faltava-lhe espaço, era o que dizia. Mais do que a falta de espaço, o desejo pela liberdade fazia as vezes de seu interesse maior. No entanto, não havia coragem sequer recursos para uma mudança, assim digamos, desse nível. Muitas coisas para lidar, a ponderar - afinal, dezesseis nunca foi uma idade simples...
Os pais a vigiavam de uma forma absurdamente intrínseca; não que isto fosse uma maldade da parte deles - provavelmente se tratasse de excesso de zelo, protecionismo. Ela era a eterna menininha, suscetível a todas as ofensividades possíveis e imagináveis que as forças alheias fossem capazes de cometer: ela nunca deixaria de ser a criancinha linda e intocável para eles. O fato era que ela não nutria condições de tamanha percepção do que realmente se passava com aqueles dois um tanto quanto inconvenientes; o seu protesto, portanto, era perfeitamente compreensível. Ah!, a juventude... Existe coisa mais equivocada e bela que o frescor dos joviais momentos de rebeldia e altivez presentes em uma coquete como essa nossa senhorinha?
Porém, como já disse antes, ela não reunia condições para tamanha liberdade. Não sozinha. E, coisa estranha, se não fosse sozinha, como haveria de ser? Afinal, assim não seria verdadeiramente o seu sonho; sim, ela era mesmo precoce. E é bem provável que justamente a impulsividade de seus atos e decisões é que a tornassem curiosa (algo ou alguém que produza intriga, e não um ser altamente provido de curiosidade, que isso fique bem claro). Ela atraía aos montes olhares ávidos por descobertas - e isso era um problema. Ela queria apenas a sua liberdadezinha, uma reserva, seguranças ao seu redor: somente assim, dizia para si, somente assim seria capaz de crescer e viver dentro de sua própria inconstância.
Um dia desses, Larissa - sim, este é o seu nome; perdão pela minha falta de tom em não dizê-lo apropriadamente -, a nossa pequena e intrépida sonhadora, saíra de casa. Não em definitivo; óbvio, isso não se realizaria tão cedo em sua vida. Saíra por aí, sem mais nem mais. Motivos não havia, obrigações, menos ainda. Ficara um dia inteiro fora, ou quase. Fazendo o quê, só deus sabe. Vira ruas, pessoas, vitrines, cachorros - nada muito interessante. Sentira-se corriqueira. Ao fim de tal dia, encontrara-se perdida. Em pensamentos, endereços e vontades. Sem rumo. Entristecera-se um pouco, uma leve melancolia que lhe invadia os traços juntamente com o crepúsculo rosa já presente e feito diante da paisagem de cidade grande. Decidira-se por voltar para casa.
No caminho de retorno, pensara com seus botões:
- Fui livre por um dia e me vi assim, sem motivos. Só. Despercebida. Será mesmo a liberdade, o ato de se perder plenamente... Será mesmo isto de que necessito?
Um leve sorriso soberbo brotara em seus finos lábios. Chegara em casa, abrira a porta de soslaio.
Um grito súbito fora a sua solene recepção:
- Filha, minha filha! Deus, por deus, onde esteve?, o que houve?, que cara é essa? Morri e nasci novamente, filhinha; por que fez isto comigo, com sua mãezinha? Ai, minha nossa senhora, eu choro e você ri... Em que está pensando, sim, em que está pensando, hem, meu docinho?

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Algumas Notas Consideráveis

Em primeiro e segundo lugares, sinto-me na incontida obrigação de esclarecer algumas condições imprescindíveis de minha parte nesse momento. Ainda que me cubra de esforços para evitar certos comportamentos, o ato de tecer explicações, absurdas ou não, perante minha vontade e o que mais preciso for, trata-se de algo inflexível, incondicional e irreversível em minha natureza - daí a razão de tantas palavras. Morro por tais e a partir de tais. É inevitável. Ademais, desejar-lhes-ia o perdão pela ridicularidade dos versos últimos aqui intrepidamente postados; aquilo foi tão somente um deslize inconsciente e ignorante advindo dos cantos infantis de minha mente equivocada. Isto não se repetirá; é uma promessa, senhores. Prezo pela boa literatura, por mais que as aparências possam tendenciar o contrário. Uma lástima - explicada, ainda que incorrigível.
Para manter a brevidade destas notas, continuo sem mais nem mais. Um projeto me veio aos devaneios meus: uma série de contos, uma personagem nada digna de nota - embora curiosíssima, confesso; talvez justamente por semelhante motivo -, ironias, cotidiano, e Victor Hugo. Pronto, eis o meu projeto! Até nome ele já ostenta, o que, diga-se de passagem, é uma raridade em meus processos de criação. Crônicas De Um Miserável - que meu ilustríssimo e meritamente estimado escritor francês me isente de culpa, um dia... Prometo-lhes o primeiro episódio ao longo dos próximos dias. Explico-me: eu já o escrevi, caneta e papel. Falta-me a completa convalescença de uma enfermidadezinha insolente para concretizar tal feito, digamos, em termos digitalizados. Sem celeridades, senhores - ora, mas que diabos estou dizendo? A urgência, coisa estranha, sempre se fez pioneira em minhas ânsias, e tão somente nelas, eh eh eh!... Nesta semana, ainda nesta semana!
Por último, agradecimentos. É com muito préstimo, o que jamais poderia ser diferente, que recebo comentários, críticas e congratulações durante esse primeiro ano - ainda incompleto - de Meio Copo Vazio. Idéias e vontades nascem e evoluem em meio a semelhantes constatações. Isso está acima das primeiras expectativas, ainda que eu nunca espere sucessos e gracejos direcionados à minha pessoa... Afinal, sou um ser ordinário, corriqueiro. Aceito a condição. Mas, não obstante, aprecio a arte de - ousar tentar! - escrever. Minha gratidão é sincera; um orgulho e uma vaidade, uma necessária nutrição.
(Um copo meio vazio, mas cheio de euforia!) Desejo-lhes uma boa vida. E boas leituras - que eu possa ajudar-lhes em tais!

sábado, 11 de setembro de 2010

Sem Nome

Tu és paisagem em minha mente
Teu olhar feito água cristalina
Torna meus anseios em grande gente
Amar-te sem rodeios é minha sina

Dias se vão, horas morrem
Campos se dão, noites correm
O tempo se esvai
A espera me recai

Um idílio, um marco em minha frente
Um doce olor, tal qual relva fina
Teus traços, tua memória quente
Um torpor se me faz, me desatina

Duas semanas me tolhem
Vontade e ânimo escoem
O mundo me decai
Sem ti, tudo se vai

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

(certa outra) Tarde De Sábado

Um pensamento lhe insistia na mente; uma curiosidade - uma intriga tão somente. Sim, ele desgostava do estéril, do improdutivo ato de prever o futuro, regia cada dia como a única concretidão de sua vida; mas, não obstante, aquele pensamentozinho de nada lhe pungia a serenidade costumeira. Uma pedrinha lançada na vastidão lacustre de sua alma. “Mas, e se...”; “Ora, que diabos eu!...”; “Tolices, quantas tolices estou...”; “Ainda assim, o que há de fato a perder?” - decidira-se então por mediar possibilidades, por mais contraditório que pudesse ser... Consigo, não com a natureza humana. Paciência!, tratava-se de Paulo afinal; ele era toda a noção de momentos - eternidades não lhe despertavam valores.
Aquela tarde de sábado havia sido realmente memorável. De uma forma mais intensa a ele do que a Joana; por mais incrível que semelhante verdade se mostrasse, o caso era que um leve torpor, uma insegurança irrisória, invadia-lhe gestos e cores. Tal condição se fazia por inédita - ou ao menos numa raridade considerável, permitam-me assim afirmar - em seu comportamento: Paulo sempre se apresentava imperturbável, ainda que se vestisse de uma sensibilidade jamais despercebida. Eram os detalhes que lhe chamavam atenção - ele prezava pela notabilidade, mais do que isso, ele a buscava com todo o ardor presente em sua vontade, sua essência; porém as nuances, as nuances é que representavam a sua percepção de beleza. Os caprichos do vestido, o pequeno rubor oriundo do embaraço daquela colisão entre eles, os cabelos tão lisos e bem cuidados - um suave brilhozinho de sol, refletido no retrovisor do táxi, que a fez erguer o braço esquerdo um pouco acima de seus olhos. Era Joana, tão somente Joana, a causa de tamanha repentina incoerência de sua parte. Uma doce e agradável incoerência.
Já se haviam passado três dias, e Joana permanecia num insólito estado indefinido de reflexão. Seu rostinho de porcelana já não transparecia aquela habitual alegria inocente; mantivera-se pensativa assim ao longo de todas as sessenta horas - fechara-se em suas próprias, e até então inéditas, indagações. Olhava para o seu quarto, o guarda-roupa dos sonhos, a estante impecável, a janela que ia ao encontro do mar... E por mais que lhes gostasse ainda, conseguia apenas ocupar-se com tamanha súbita e inesperada introspectividade. Não que isso se tratasse de um embaraço, senhores, esse estágio, digo, essa metade do caminho, ou melhor, famigeradas encruzilhadas que por vezes nos deparamos - não, senhores, tal nova condição unicamente engrandecia seus traços. Joana estava transformando-se irreversivelmente; com isto, sua formosura de cristal e vitrines passaria a adquirir um aspecto mais profundo, mais complexo. Seu encanto deixara de ser unicamente simétrico, este havia atingido a perturbação inevitável - a vivacidade, o arrebatamento constante, a audácia e o ímpeto dos eternos amantes solitários.
Joana mal se continha em suas delimitações físicas; sentia-se, ao mesmo tempo, acima e abaixo do chão. Seus olhos de boneca se vestiam de uma perplexidade considerável; seus dias, ocasiões e necessidades não pareciam tão simples mais - ela continuaria a sorrir para a felicidade, no entanto se dissipara de suas certezas. Encontrava-se, naquela singular terça-feira, imersa em sentimentos incomuns para ela. Ansiava, tressuava, mirava o horizonte, esquecia-se das horas - havia perdido inclusive o episódio diário de sua novela favorita. “Quem se importa mais?...”, reagia despretensiosamente, a coquete. Mas, não obstante, semelhante mudança mostrar-se-ia, daqueles instantes em diante, anos e dias e semanas, inconstante - jamais efêmero. Aqueles olhinhos brilhantes não mais voltariam a si - dispensara todo o seu reino, súditos. Tornara-se um anjo. Um anjo cujo afã se revelava o humano, nada mais que o humano.
Na sexta-feira, Paulo já não sabia mais o que fazer para lidar com a ansiedade acumulada durante a semana. “Um comportamento tão infantil...”, pensava. “E, pelo mesmo motivo, tão bonito!...” Fazia ciência da sua condição nobre, ainda que ridícula. Outro sábado estava por nascer - como agir? Ele buscava saídas, retornos, desvios; nada. Nada parecia extrair-lhe da inconstante estática - a espera. E o pior: o incerto, o improvável. Havia decidido voltar ao lugar onde a encontrara. Joana. Quais chances de êxito em seus movimentos de fato existiam - “Uma, tão somente uma possibilidade.” Não lhe era estranha tal certeza: “Apenas se ela, Joana, houver sofrido, ainda que a décima parte e não mais que isso, o que sofri nesses dias. A desordem dos sentidos precisaria ser recíproca. Ah, deus!... Amanhã, amanhã estará tudo decidido!”
Esperar sorrisos de fortuna raramente constava em seus atos usuais. Mas, não obstante, fá-lo-ia no dia seguinte - naquele tão aguardado amanhã; tudo o que desejava era uma nova e semelhante tarde de sábado. Joana não lhe saía de sua rotina. Arrependera-se inúmeras vezes por ter sido tão indiferente, tão íntegro, tão... Ele. “Por que não me insinuei? Ao menos o telefone, o telefone eu deveria ter descoberto! Quanta prepotência, indesejada ingenuidade...” - com isso, Paulo acabava de trair a si mesmo. Porém ele não sabia que, se houvesse realmente tomado decisão por tal comportamento, jamais sua tão ansiada reciprocidade poderia realizar-se. “Joana haverá de estar lá!”, ele imaginava a própria sorte. No fundo, contava mesmo com ela, com o acaso. Mais uma vez. “Apenas mais uma vez...”
O tempo havia congelado. Conquanto de fato uma nova tarde de sábado se fizesse no horizonte, os ponteiros do relógio pareciam retroceder impetuosamente. Ele não suportava um segundo sequer a mais - já estava lá, do outro lado da rua, observando a fila de táxis. Permanecera ali, encostado em um muro qualquer; um quarto de hora. Uma intragável eternidade. Um arrebate tomava direção de seu corpo. Expressava-se por si, palavras e sinais lhe eram desnecessários. Por mais trinta minutos desistiria... Ao menos era esse o tratado que fizera consigo. “Uma hora, não mais que isso. Afinal, em que estou pensando? Exatamente o quê vim procurar aqui, memórias de Joana?...” - ele esteve mesmo por retroceder. Começara a dobrar a esquina - a mesma esquina que havia tomado na semana passada; o caminho de volta. Um último olhar, o suspiro final de sua insolente esperança. Um movimento súbito - uma imagem gravada há dias; a impossibilidade da confusão e do esquecimento. Tudo isso num átimo. Sim, era Joana, era ela própria que acabara de sair da porta giratória do shopping center - o desejo incontido concretizado. O alento final, o brilho permanente do sol, o desconhecido, o destino; a beleza em si, dispensada de justificativas - Joana! “É mesmo ela! Eu, eu...” Atravessara a rua.
- Olá, bonita! Precipitações me trouxeram aqui, a crença no acaso me fortalecera, e você acaba de me fazer as vezes da doçura e da vontade de viver. Permita-me instigar-lhe o devido respeito e admiração dessa vez... E obrigado por estar onde esperava que estivesse, justamente ao encontro de meus anelos!... - ele se calara após um breve momento; sorriram-se, abraçaram-se. Uma leve brisa lhes acariciavam os rostos. Realmente não havia mais nada a dizer... Nada!
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Que mais querem, senhores? Detalhes, esclarecimentos, descrições?... Aí eu lhes pergunto: e para quê, senhores, para quê? O novo ensejo fala por si, deixemos ambos se instilarem nesse enlace curiosamente tão previsível - e ainda assim tão grandioso! Uma pequena reserva, digo-lhes, é o que falta nos dias de hoje. Façamos a nossa parte, tão somente sonhemos. Com Joana, com Paulo; com nossos próprios alentos. Com a esperança - e com outra fantasiosa tarde de sábado...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Uma Breve Explicação

Por vezes, tudo de que precisamos é uma novidade, um acaso, um ensejo. Em grande parte deles, não sabemos agir da melhor forma - a mais correta, digo, concluída por nossa própria reflexão a respeito, em momentos extremamente tardios (quando não há mais nada a fazer). Não importa. Só existe uma chance - o ineditismo é imperioso. E aí está, creio eu, a diferença entre a imensa massa de nós, subordinados, confinados, revoltosos, e os tais ditos-cujos extraordinários. Nada mais justo - únicos são os que se movimentam brilhantemente no exato instante em que lhes são concedidas quaisquer espécies de escolha. Nada mais justo...
O resto, senhores, o resto são lamentos; lamentos e fracassos. Perdão por tais palavras, mas, não obstante, a cada dia que se esvai, perco um pouco da minha capacidade de esconder verdades - rodeios, vá lá... Enfeites, eu cá os julgo inviáveis. Ilusões, é disto que se tratam as impressões, excetuando-se o êxito. A compreensão até que possui algum valor; o reconhecimento implica ao respeito e dignidade; compartilhar pode vir a fazer as vezes da auto-estima - aceito esses dizeres de forma branda inclusive. Mas a felicidade não se encontra em nenhuma delas; tão somente na vitória, no sucesso, no agir corretamente, magistralmente - ainda que esta seja irritantemente limitada.
Portanto, senhores, saibam agir - esperar, intervir, observar etc. Todos os átimos são insólitos, não há volta ou correções. Talvez outras oportunidades existam de fato; quiçá, sorte ou acaso - é muito provável que sim. No entanto, saibam agir. Não me tomem como exemplo; sou, pois, uma coleção de equívocos, falhas. Não ostento dons e tons. As reflexões, apenas as reflexões habitam minhas particularidades - ainda que aquelas sejam os meus maiores demônios, através de tais produzo semelhantes palavras... Não obstante, mais um dia frio e insone se faz por acabado.

P.S. Um longo período de inanição de idéias e atividades literárias é o resultado deste inverno para mim. Espero que isso se encerre logo. Porém indesejadas constantes em minha vida me tolhem a força motriz de minha caneta - meus dedos ostentam o estado glacial presente na ausência da ação. Conquanto continuo a viver e absorver tudo o que se passa ao redor; em seu devido tempo expelirei minhas impressões neste espaço, em forma de linhas, protestos e utopias. Peço as mais sinceras desculpas por atrasos e inatividades. No entanto, um alento: prometo, tão logo possível, esclarecer aqui, como dito há meses, os acontecimentos fantasiosos de (certa outra) Tarde De Sábado...

sábado, 31 de julho de 2010

Retrato

Seus olhos - seus olhos denunciavam todo o interesse. Uma curiosidade que beirava a intriga; certa soberba, arrogância em sua imagem, sua postura; uma altivez que enaltecia e multiplicava curvas e silhuetas; um sorriso, um indagar, uma dúvida; um convite, uma provocação. Ela desfilava, exibia fatalidades, garras suaves, olores inebriantes - cores, gostos, nuances inimagináveis. Transformava ambientes, granjeava atenções, produzia sonhos e enlevos, consumia mente e coração. Devorava infelizes, seres ávidos por caprichos e extravagâncias, deleites e arroubos, que, como o autor réprobo destas linhas, se mostravam incapazes de mediar perigos e conquistas. Ela era seus próprios olhos; tratava-se o resto de faculdades, particularidades. Um arrebate, um êxtase, um projétil. Um selo, uma marca - um liame. Uma impossibilidade perturbadora, um embaraço; ainda assim, um desejo, ainda assim, uma vontade.
E ela enredava tramas e suspeitos - ah!, como enredava!... Dona de poderes e direitos, repleta de ímpetos audaciosos, consciente de atos e passos; deixava-se tão somente submergir por lances e mistérios. Ela era um encanto, senhores! Um terrível e magnífico encanto.
Um simples gesto e um mundo se despedaçava sob seus pés. Alisava-lhe os cabelos com a sutileza e a doçura de mil rosas, pequenos sóis que emitiam centelhas abrasadoras - arredores se viam incendiados com singelos tais movimentos. Caminhava sob pétalas e nuvens, tapetes vermelhos lhe eram estendidos através de pensamentos e apetências. Linhas delgadas, traços firmes, definitivos; soberania, tentação. A lascívia exalada como que por instinto.
Um olhar; um olhar era tudo, senhores. Tudo e nada. A condenação. Sentimentos amorais, razões sem valor, o esquecimento. Perto dela, perdia-se o sentido de bem ou mal; restavam apenas ardências. Suores, tremores, ânsias, prontidões. Bastava-lhe um estalar dos dedos - um exército a seu dispor!... Uma imagem, uma breve memória de suas mostras, e destinos haviam sido decididos. Entregas sem fim, intermináveis noites melancólicas. A inefável solidão de sufocados prazeres; sofreguidão. Ditos, dizeres... Atrevimentos contidos. Necessidades, sobrevivência - o clamor pelo autoconsumo da carne. Almas tropegamente a vagar ao longo de horas insones, perdidas. Livres.
Não obstante, a complexidade e a inconveniência delineavam situações e ambientes; ela era intangível, ainda que inegável. Sonhos, tarefas, quimeras. Um desafio inefável, uma audácia; tão somente uma insolência. Conquanto inexistissem aproximações, ainda que incompatibilidades denotassem todas e quaisquer permissões, ainda assim, ela se fazia feito brisa de mar. Um frescor, um acalento. Ocasionava lembranças ao mesmo tempo torpes e motivadoras - transpunha ensejos ordinários. Vertia o dia em noite, transfigurava a lua em holofote.
Apesar das incapacidades alheias, da falta de tom generalizada, de especialidades; por maior que fossem distâncias e diferenças, ela procurava. Mais do que isso, ela escolhia. Indagava, pretendia, ensaiava diligências. No fundo, ela desejava acasos e enleios. Exausta dos seus divinos dias de perfeições premeditadas, sonhava com o humano, o comum. Estava a um passo da entrega, da descoberta. Uma flor sob a primavera.
Mal sabíamos de sentimentos tais!... Curioso, os anos não nos ajudam absolutamente. Nós, os senhores do equívoco, apenas tecemos nuvens, anseios, imagens e amanhãs. Nada mais ocorreria - um cumprimento, um sorriso talvez; quiçá uma frase completa. No entanto, uma única e elegante pouca-vergonha era do que precisávamos - infelizes e ingênuos! Em seguida, lamentos, tão só lamentos...
- Volte ao trabalho, seu maldito! - ouvia-se uma imprecação indizível ao fundo do balcão. - O que você pensa que está fazendo, seu enamorado de uma figa?...
Uma pena, senhores, uma pena!
E lá se ia tamanha e verdadeira inspiração. Um retrato; um retrato grafado e ornamentado com sangue, vigor e inquietações.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Fim

Trata-se do tempo o significado da vida. A dualidade, ações, decisões, renúncias, aprendizagem. O tempo é o nosso instrumento, feito um papel em branco - é nele que despejamos os sentidos, a identidade. O papel se torna nossa obra, nossa face; no entanto, algo finito. E ainda que o conservemos intacto, ainda assim, tal tornar-se-á velho - a candura indubitavelmente se desfaz ao longo dos anos. A diferença, a singular diferença que reside nessas condições, é que a ausência das manifestações e de movimento tão somente nos oferece passividades. Um mundo desperdiçado; devaneios, lamentos, anelos, tudo aquilo que nos impede o agir.
Conquanto os anos se vão - a inevitabilidade da mortalidade. Vinte deles, talvez mais... Se ínfimos ou bastos, uma questão de situação. Não importa. O tempo se expande, condensa, dilui, adeja etc.; séculos se vestem de um simples gesto, segundos se mostram complexas eternidades. Tal faz as vezes de vilanias, e por vezes tantas o próprio nos representa soluções. Hoje, criança; antanho, enfermo. Agora, uma bela mulher - amanhã, o desgaste, inconveniências. Cabe ao nosso pensar - nossas mãos, nossos pés - administrar a pena que guia e dá forma a esse grande papel em branco que recebemos. Na verdade, o tamanho é irrelevante; as palavras é que são a verdadeira diversidade.
Mas, não obstante, minhas palavras há muito vieram a ser um malogro. E neste mesmo papel, já gasto em situações de outrora, não se permite o ato de corrigir - restam apenas parcos espaços a preencher. Minhas palavras não surtem mais efeito. Talvez tamanha estranheza de minha parte seja o motivo desse estado, quiçá tais jamais ostentaram quaisquer diferenciais. Porventura também elas componham o senso comum - esse odioso! Afinal a verdade é tão só uma, e está diante de meus olhos: tudo se perdeu e nada mudará. Ao diabo!, desinteressa-me o longínquo, o improvável e o inadmissível. Eu não sou mais um bom rapaz - apenas um senhor de cabelos descuidados e por esbranquiçar...
O fim. Ainda assim, um derradeiro alento. Uma última palavra. Uma doce e melancólica lembrança. Uma promessa; direções opostas, adversidades, ardores. Uma centelha, um feixe de luz - por mais distante e incrível que seja, uma esperança. Uma razão e um motivo para seguir o caminho. Um caminho. É isso, é simplesmente isso. Um obrigado; um muito obrigado e nada mais.
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Será este mesmo o fim que desenhaste para mim?

terça-feira, 29 de junho de 2010

Apenas Uma Noite

Já anoitecera. O clima era seco; não obstante, caso indícios sensoriais, percepções emotivas, tragédias sentimentais, pesares, estreitezas e lamentações pudessem ser exteriorizadas, concretizadas, tal ato anunciaria um dilúvio sob pluviosidade naquela hora. Estaríamos, por dizer, mais bem acomodados e situados em semelhante ambiente - quem permaneceria na casa? Ódio, mágoa ou indiferença? E o dia seguinte?...
Ela amontoava parte das roupas em um lençol; tecia uma grande trouxa que abrangia tudo aquilo que conseguira recolher. A maior delas. Olhava para os porta-retratos espalhados por cômodas e estantes enquanto decidia o próximo passo - quebrá-los, rasgá-los, guardá-los, chorá-los. Há uma hora estava com fome. Agora sentia náuseas e enjôos. A vista se turvava. Os dentes, cerrados. Tremia. Atemorizara-se. Mas a postura era a de um Napoleão. Ajeitava-lhe os cabelos, mirava-se no espelho. Não abria mão da altivez. “Ótimo. Não me fiz em prantos. Estou bem.” Porém sabia que não suportaria mais do que um ou cinco minutos.
No quintal, o silêncio que prevê o fim. Sequer o vento ou as sombras ousavam sussurrar atenções. Não passavam das 20 horas.
Ele acende o seu terceiro cigarro; espera do lado de fora. Apesar da camiseta, fazia frio. Não havia estrelas no céu, não havia cachorros na rua. Ali, encostado no portão eletrônico, incapaz de produzir palavra, tão somente aguardava. O tempo paralisara - meses, anos, histórias, planos. Olha para a esquina vazia. Pensa em cortar o cabelo. Repara em quanto mato surgira no lote ao lado. Decide parar de beber. Ouve a voz com a qual sonhara tantas e tantas vezes - e por tantas outras acordara ao longo de manhãs e madrugadas - sentenciar um canto triste: “Só falta o meu casaco... Estou pronta.” Tratava-se mesmo do fim.
Engraçado como tememos a morte; sabemos de sua certeza, de sua obrigatoriedade; para tudo se reserva um desfecho - ainda assim, tememo-lo. Curioso como certos desejos causam arrependimento quando de fato estes se mostram por realizados. Talvez seja apenas angústia, ansiedade. Quiçá, a valorização irracional do distante, do intangível, do amanhã; a idealização, sonhos, quimeras, nada mais. O que acontece é que vagamos do passado ao futuro, confiando-lhes a única felicidade. E o presente se revela tortuoso, incompleto. A verdade é que ele não dormiria aquela noite. Ela estava pronta. Para sempre.
Um carro havia se aproximado - era o táxi. Feito hábito, ela só conseguia carregar a pequena valise contendo seus perfumes, cremes etc. Os demais pertences, todos eles, estavam no chão da sala. Ela não sabia como chamá-lo - as malas!, as malas! “Isso precisa acontecer?...” Ele fora buscar tais pertences. Caminhava vagarosamente, evitava respirações - jogara o cigarro fora. Cada passo, cada olhar, os pensamentos reflexos; obstáculos indesejáveis. Ela estava bonita. Grave, rígida. Austera, soberba. Ele se sentia menor; a casa seguiria sob seu domínio - não obstante, menor. Em pedaços. Acende outro cigarro.
Não houve palavra, tão somente pesares. Tudo estava ali, exposto a céu aberto. Outrora, infinito; agora, dois zeros. Explicações, motivos, desculpas, perdões - para quê? Havia chegado o fim. Não se falavam, evitavam rebaixar-se; gritos, humilhações. Amavam-se. Conquanto não soubessem do que se tratasse, amavam-se. Engolidos pela indefinição, fantasias, expectativas, frustrações - amar-se-iam ao longo de suas infelizes existências. Arrepender-se-iam, trocariam injúrias no silêncio; ainda assim, amar-se-iam. Na distância, na solidão, no fracasso... Amar-se-iam e nada mais.
O curioso e o improvável iam e vinham em suas impensadas decisões. Atos desprovidos de sentidos, vontades. Já era tarde afinal. Ela queria sair logo dali - derrubar-se em lágrimas obscuras. Sob a penumbra do orgulho e da dignidade escondia seus sentimentos. Sem espaço para admissões, redenções. Íntegra, gélida. Via-o com a cabeça baixa, olhar ao chão. Reverência, temor - era tudo o que ela esperava daquele momento. A separação. No fundo ela sabia; duas metades de um universo inconveniente. Sem tempo para recomeços. Decidira, por fim, queimar todas as fotos.
O que ela não previa era a própria dependência. Ele já havia virado as costas, o portão finalmente se fechara. O táxi sequer havia desligado o motor - um pequeno pranto sufocado pela soberba. Mas, não obstante, as memórias dilacerariam suas pretensões. Encontrar-se-ia perdida daqui a segundos. No entanto, uma escolha, uma decisão; um caminho ausente de retornos. Indiferença era o que desejava naquela hora - indiferença era o que mais lhe faltava dentro daquele táxi.
Ele havia consumido seu último cigarro. Procurava algo sem saber, ligava a TV, olhava-se no espelho. Um rosto - desconhecia-se. Resolvera sair... Faltava decidir para onde. Para quê? Por quê? Escapava-lhe as forças, a razão. Eram 20 horas e 2 minutos. Passaria a noite inteira naquela casa, diante do espelho, no sofá ou no chão - não iria a lugar nenhum. Disso ele sabia. Sem promessas, sonhos e impressões. No mais, incertezas. Nascia uma revolta tardia. O amor e a paixão têm dessas. Sentia frio. Desistira da dignidade.
“Um cigarro, minha vida por um cigarro... Senhora, onde está que não consegue ouvir minha dor? Ao diabo, então, ao diabo com toda a sua razão!... Saia para sempre de meu subsolo!” - no fundo, admitia; aquilo não se transformaria em verdade. Ele só queria saber o porquê...
Já ela, ela dormira na casa de sua mãe. Um silêncio, uma vergonha. 28 anos. Sentia-se velha, torpe. Desesperara-se pela ausência das lágrimas. Havia medo em sua alma. Tratava-se do amor que ela jamais soubera decifrar em si mesma. “Apenas uma noite.” - dizia em seus pensares. “Uma noite tão somente; tanto tempo perdido.” Tantos equívocos, essa sim, era a sua maior verdade.
Apenas uma noite. Fria, insólita, vil, insone - apenas uma noite. Naquela noite, uma descoberta; a eternidade representada em atos. A incerteza do tempo. Um conto inacabado.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Flores Amarelas

Desconheço a existência de deus, do infinito. Foi-me tolhida, há tempos, a última esperança. Sonhos? Estes, sob minha própria força e vontade, vorazmente banidos. Futuro? Irrelevante, desconsiderável. Tempos passados, tenho-os como um guia de aprendizado; um dicionário, uma gramática, um livro de regras e nada mais. Sou este momento, meus princípios estão aqui. Estas palavras, a leve brisa sobre os cabelos, o muro de concreto, um número à minha frente - cento e sessenta. Uma vela, um cemitério. Pai e irmão jazidos no mesmo solo.
Não creio na eternidade, na continuidade da alma. Nossa única e definitiva posse - o corpo. A grande e fascinante dádiva: o tempo. E os feitos, as ações, ah!, tais cabem tão somente a nós e mais ninguém. Eu sou os meus atos, pensamentos e percepções. Ostento a estreiteza quase ímpia da permanente recusa de me curvar os joelhos perante toda e qualquer condição. Julgo sentidos e consciência como a minha bandeira, minha nação. Troco a minha vida por meus dizeres, certezas, minha essência. E assim, afirmo que, numa palavra, não mais preciso de céus e terras prometidas. Os meus dias são limitados; não há problema algum em tal verdade. Meus medos, derrotados, ainda que intrínsecos, reais. E a humanidade - a esta dedico o meu mais sincero amor.
Mas, não obstante, hoje resolvi brincar de construir monólogos intangíveis. Meu pai, que reside há cerca de três anos nesse número, o cento e sessenta, há de fazer as vezes do fantasioso nesta hora. Restos orgânicos, consumidos, misturados à terra, é o que encontro sob meus pés. Sequer uma lápide, sequer uma lápide há aqui! - apenas esse número. E mirando tal cenário, tal afirmação, compreendo, admito e lamento o peso da realidade da vida ordinária. Trata-se, de fato, de algo frio por demais, desalentador - um quê de frustrações e inquietudes -, uma força inefavelmente superior a toda nossa capacidade de lutar. E aí nasce um grande temor - a revolta. A angústia, a atribulação, fracassos, restrições, iniquidades, prantos; tudo vertendo-se em rebeldia e protesto. O mau agouro do caos e do desespero; o autoconsumo. A ausência de luz. A perdição. Faz-se necessário um caminho; é aí que se justifica o sentimento religioso. E por isso, unicamente por semelhante motivo, é que concedo as minhas gratidões a este senhor de iludir, o criador da fé - ainda que tal, para mim, esfacelara-se por completo.
Portanto, aqui, sentado sob pedras, já de costas àquele número, volto aos meus sonhos de infante. “Pai, sua luta continua em mim; talvez perante maiores estranhezas, quiçá sob diferentes complexidades, ambientes. Seus passos não foram esquecidos. Suas palavras, meticulosamente reproduzidas, divulgadas - não por mim; o meu orgulho me impede de fazer algo que não seja nomeado de próprio, único. As lembranças, ainda que permanecidas tão somente num âmbito familiar, perduram. E os atos e as reflexões, estas lhe concedem o título de eterno - a verdadeira, a concreta longevidade. E os deuses e os anjos, que seguem sem sequer saber de nós, não são mais necessários. Por quê? Pelo seu exemplo, pela sua história; pelo meu presente, pelo tempo que ainda me resta - e por nossa arte de amar.”
Se eu conseguisse mesmo brincar de sonhar, de voar e conversar com o improvável, dir-lhe-ia, numa palavra, ainda que tardia e por vezes repleta de negligência: - Obrigado. Trata-se disso; a força que me criara, a inexplicabilidade de minha existência, o sentido e o propósito, o princípio se faz naquilo que você foi. E o fim?... O fim, eu haverei de criá-lo. Simples, pleno, possível.
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Momento ínfimo e fugaz de devaneios de minha parte. Eu cá já me dou de encontro à porta de saída. Eu, homem, egoísta, saturado em vaidades, vivendo unicamente concretidões. Mas, não obstante, uma verdade inesperada: naquela terra revestida de ossos e carnes, assim, sem mais nem mais, nascem pequenas flores amarelas, despojadas de planejamentos e previsibilidades - a cor da sabedoria, a cor favorita...