Powered By Blogger

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dois Contos (dois)

Desde o princípio, sem sequer tê-lo visto ao menos uma vez, já soubera de quem se tratava - o amigo. De longe, ausente de conhecimento prévio, tão somente ostentando sentidos e previsões, esperava-o. Como se a vida ainda não houvesse iniciado de fato - faltava-me o amigo. Sim, aquele indivíduo que se despojasse completamente de condições e interesses perante nossa presença; na verdade tais se igualariam por natureza, ainda que os traços, sonhos e comportamentos fossem distintos e estranhos uns aos outros. Não importa, pois, semelhantes são os amigos - cúmplices de toda e qualquer estranheza... Ele existe, e eu sou capaz de perceber tamanha existência aonde quer que esteja - o meu amigo.
E unicamente através dessa percepção inefável é que a minha solidão desertara de sua militância. Eu poderia esperar por mais dez anos - ou dez dias!... - por ele, que simplesmente a diferença consistiria na espessura da lista de assuntos e pendências a ser lidadas, de lá até então. Ainda que falasse outra língua, que acreditasse em deuses, que odiasse o futebol e que não sofresse com horripilantes restrições calóricas... O meu amigo far-se-ia de razão e alento para todos os conflitos - afinal, disto se trata uma amizade. E entender-nos-íamos. Riríamos e choraríamos - e viveríamos. Absolutamente livres da dependência dos sentimentos. Sim, pois, o cativo reside na posse e no desejo - e eu e meu amigo brigaríamos por nossas desenvoltura e liberdade até o fim!
E nasceriam os nossos filhos - ainda que concebidos por imaginárias esposas - e trocaríamo-nos os nomes entre os próprios. E poderíamos estabelecer morada sobre um mundo de distância; nada iria perder-se, tampouco queixa alguma seria criada - os amigos não se abalam e não se trocam sob estados e obstáculos inesperados, estes não são voláteis como os amores e as paixões. E velhos ficaríamos, imunes ao esquecimento e às dores da vulgaridade. E tudo isto, tudo isto, senhores!, sem a necessidade de contato ou olhares - sabeis por quê? Ora, as mentes são incapazes de prover pensamentos singulares: os meus lamentos, as minhas angústias, os anelos e toda a sofreguidão que carrego jamais serão únicos e extintos - levo comigo uma legião estrangeira que vive e teme a morte e o anonimato assim como eu! E mesmo sem conhecê-los, senhores, mesmo sem conhecê-los, faço-me por ciente de suas essências. É assim, e tão somente assim, que conquisto e compreendo a eternidade; a minha continuidade na linha do tempo dar-se-á naqueles futuros tristes, ansiosos e furiosos seres que amarão, sob a condição de exaurirem a própria vida, senhores!, sem fins e exigências, e que exibirão a altivez inclusive no furo dos seus calçados, e que escreverão até sangrar-lhes os dedos sobre a complexidade da alma assim como essa ao mesmo tempo vil e bela, a curiosa humanidade. Pois eles existirão, eles existirão, senhores! E fá-los-ei todos amigos. Eu, que vós escutai bem, recluso neste subterrâneo confinamento, ébrio da própria miséria, serei lembrado e agraciado a todo momento que qualquer um desses meus amigos verta um sorriso ou uma lágrima - sejam tais de protesto ou ironia!...
Bem, agora já é hora do jantar, e os gols da rodada estão sendo exibidos na TV... Ao diabo, ao diabo com essa maldita dieta, eh eh eh!

domingo, 25 de abril de 2010

Dois Contos (um)

Sinto-me cansado. Das desculpas e dos motivos que insisto em produzir para ludibriar-me os fracassos. Cansado de ostentar altruísmo e positividades. Exausto estou dessa crônica condição de levantar, perder, dormir. As luzes lá fora tão somente refletem a minha falta de ventura - encontro-me mesmo fatigado de tudo. E isso não se trata de algum protesto, tampouco resignação; aqui não há nada mais além de desistência. O meu abatimento requer o direito de me tornar vil. Afinal, quem se importa?... Onde está o mundo todo agora?
As contas acumuladas em cima da mesa, a geladeira vazia, o cachorro definhando... - a vida girando os seus piões. Os dias vêm, as noites vão; o sono já não é mais reconfortante. Aquele vazamento no banheiro e na cozinha - eu já recebera notificação por escrito sobre tal. Mas que diabos!, se nem minha essência mal se contém em ínfimos punhados, por qual razão preocupar-me com a maldita água? “Água é vida”, malquista danação!... A casa, a casa já não é mais a mesma. Mas, não obstante, a solidão permanece idêntica a de outrora, antigas condições que se afirmam em ciclos e repetições - estas agarram minhas entranhas, temendo a morte mais do que eu mesmo. Um carro percorre a rua silenciosa, ouço risos de mulher.
Madrugada afora, sem sono nem ânimo para dormir - porque até para dormir e sonhar é preciso certa vontade... -, contando mais uma vez minutos e horas em um relógio digital, verificando o que eu não tenho de importante para fazer no dia seguinte, e o pior, lutando com todas as parcas forças que ainda possuo contra o próprio passado - inutilmente, o que torna meu estado ainda mais lamentável -, minha mente remete a lembranças. Lembranças e saudades. Em seguida, decepções - e lamentos e arrependimentos. Ah!, como um sentimento conduzido e expressado de forma equivocada revela tão somente a depreciação... Valores, personalidades, atitudes, tudo por água abaixo. E tudo, tudo por causa de um passo em falso - uma maldição. De fato, é bem verdade, não se pode errar jamais... Jamais.
O som ligado se torna a única amostra de atividade em toda a casa - havia sequer luzes acesas. Um R&B no estéreo, uma performance tão bem executada - e por alguém mais novo que eu... Um canto triste e altivo, feito minha própria miséria. Angústia. Um ano, dois. O envelhecimento. Minha vida?, uma página em branco - a ausência completa de registros. Um conto sem graça, isto é o que tenho, digo eu! Coisas que poderiam ser, fatos que deveriam acontecer, nada mais... Por que eu não posso simplesmente figurar entre os especiais, por quê? Ah!, quisera eu ser ao menos louco feito meu amigo D. Quixote - mas nem a loucura, nem a loucura permanecera ao meu lado...
Jazido no chão da sala, já em silêncio pleno - foi quando dera por mim, eu não sabia mais da realidade em minha volta -, entregue ao torpor da falta de vigília; vi-a mais uma vez. O rosto diabolicamente estreito, feito rara porcelana. Um sorriso austero, longos e lisos cabelos; olhos, que por si só já denunciavam o extraordinário, e olhares penetrantes - e cativantes, cativantes e hipnóticos. Uma figura capaz de justificar uma epopéia ou uma viagem ao tempo; apta a exaurir toda a minha alma. Na verdade, a causa final de minha desgraçada sorte.
Iria dizer algumas palavras, mas minha voz não estava mais sob meu controle - ela porém sabia ler minha mente. E não havia um quê de interesses de sua parte. Tão somente apatia e frieza. Aquela moça de traços e passos inefáveis ia e vinha em meus infames e insignificantes limites - e não deixava transparecer nada, nada! Sempre fora assim. Não houve mesmo sequer palavra. E aqueles minutos sofríveis - e ainda assim desejáveis, ah!, tão desejáveis... - chegavam ao fim. Ela começara a se esfacelar, como num sonho já desperto, uma noite com os seus momentos contados - mas se tratava justamente apenas disso, um sonho, não? Ou estaria enganado novamente... Súbito, num átimo quase que imperceptível, em meio à névoa que rondava suas formosas linhas, únicas e imunes ao esquecimento, assim, de relance, eu percebi. Algo. Vira e acordara. Não, não podia ser tão somente um sonho... Ali havia alguma certeza, alguma concretidão - um mirante, um lume a seguir. Ainda que isso se tornasse uma dúvida, um eterno indagar, tão somente uma falha em minha descrição, um motivo fora o que eu vira. Uma razão, uma brecha, uma saída e um caminho. Antes de seu completo desvanecimento, um gesto negativo com a cabeça. E aquele olhar tão sublime se desfazendo sob um novo rastro de mágoa - uma mágoa que me escapava do conhecimento até então.
O relógio despertador clamava por sua existência - ao diabo, ao diabo tal pertencia, ninguém mais senão o diabo! Para o meu azar, o dia far-se-ia costumeiro: trabalho, trabalho e trabalho...
“Afinal, senhora distante de minha vulgar e ignomínica rotina, seria rancor ou indiferença o que habita suas infelizes lembranças de mim e de meus infortúnios?”

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O Grande Irmão (ironia ou verdade profunda?)

Ao longo dessa e da passada semana certo vazio preencheu o cotidiano da maioria dos brasileiros - ao menos daqueles que convivo frequentemente - e parte dos nossos diálogos diários. Nada importante, crucial. Mas, não obstante, o trivial igualmente possui o seu valor. Afinal, o que seríamos se tão somente existissem seriedades em nossas particularidades? Está incluído no processo de evolução o ato de brincar - acho que ouvi tal afirmativa em alguma remota aula perdida de meu passado acadêmico, eh eh eh! Pois bem, a hora é essa. Discursarei sobre futilidades, afinal!... E atire a primeira pedra quem nunca o fez - no caso aqui que será discursado, que desliguem a TV! O assunto, óbvio: o programa mais comentado do primeiro trimestre do ano. Dessa vez de forma avassaladora, jamais presenciada por minha pessoa. Eu cá sou macaco velho, acompanho-o desde a primeira edição. No início, unicamente aqueles despojados de cultas aparências assumiam tal interesse; mas nesse ano, promotores, médicos, gente simples - assim como as complexas! -, gente “da grana”, as ditas inocentes etc., e também aquelas pessoas racionais e masculinas demais para se interessar pelo comportamento humano... Enfim, todos ao meu redor se aproximavam para comentar sobre tal assunto; talvez apenas por cordialidade, quiçá para não se sentirem excluídas, vai saber!... E o assunto, senhores, desde janeiro - na verdade, para mim desde há muito tempo! -, o único, o polêmico, o turbulento, o curiosíssimo jogo da vida real. Sim, sim, Big Brother Brasil também é cultura, quá-quá-quá!
Pois bem, em qualquer disputa, independentemente de motivo ou razão, o primeiro prêmio é sempre o primeiro prêmio - e assim não seria diferente em nosso aclamado reality show; chamo-o de nosso por dirigir estas palavras a todos os que participaram de alguma de suas interatividades durante esses setenta e oito dias. Portanto, sem demagogias, BBB não se trata de causas nobres - as personagens são criadas com o intuito de se destacarem umas mais que as outras. E estendo tal afirmativa igualmente para toda e qualquer simples inscrição realizada, incluindo-me também nesse pacote, ou quiçá, intenção de participação. Afinal de contas, estamos lidando com fatores que se contradiriam eternamente, caso isso fosse diferente. Quando o assunto é tal programa, tal jogo, a sua essência não é outra senão comportamento humano - e ao citar comportamento humano, o indivíduo e o egocentrismo são a sua comissão de frente. Por fim, cada ser nele inserido - e aí há algo de obrigatório, condicional, requisito básico para ser credenciado a tal embate -, como de praxe, ostentará orgulhos, vaidades, altivez e uma vontade inefável de conquista, reconhecimento. Ora, como encontrar irmandade e devoção nisso tudo? Só existe um primeiro prêmio! Aí está a maior incoerência que já detectei ao longo dessas dez edições, senhores. E isto, isto continuará existindo por mais vinte, eh eh eh! E por quê? Simples, o ser humano, ordinário ou não, quer acreditar em bondades - no virtuosismo coletivo. E dessa forma, os discursos sobre amizade, altruísmo e os bons costumes perdurarão por não sei quanto mais tempo - mas não se iludam; o intuito, ainda que dissimulado, sempre será o de se sagrar vencedor.
(E de fato, não é bem isso o que vemos todos os anos, correto? Enfim, continuemos, continuemos!)
Não obstante, certos fenômenos que ocorrem em tal âmbito televisivo beiram a sinceridade. Atos bravos de companheirismo, tendências de positivas ações grupais, reciprocidade, entrega mútua etc. E tudo isso devido a um singularíssimo paradoxo: somos egoístas, porém não sabemos viver na solidão. E isto, senhores, isto é comportamento humano - pressionado, testado, tentado, afinal! Enfim, mais cuidado é o que aconselho, quando no exercício de julgar atitudes dentro do referido reality show; como já afirmei em escritas anteriores - e com rara felicidade de minha parte -, "somos todos vis, somos todos belos, lascivos, castos; afinal, palavra, não há estranheza em nenhum ato humano".
Por fim, a única diferença, de acordo com o meu humilde, ainda que sagaz, ponto de vista, entre BBB e vida real é que nesta optamos entre nos exibir ou refugiar-nos - os gostos, as vontades e as necessidades são de cada um; elas existem ou não. Já em nosso querido programa de TV, tal condição é uma obrigatoriedade! Sim, todos ali querem, precisam, anseiam por espaço e atenção - ser o diferencial, trata-se disso e nada mais. E às vezes agindo com fraternidade - pois esta se caracteriza pelo respeito pleno; a entrega é mesmo facultativa -, e por tantas outras desempenhando unicamente os próprios interesses, criam-se poucos campeões e vários figurantes. E aí, senhores, aí há algo de vida, um quê da nossa história, vista, lida e contada ao longo de incontáveis acontecimentos... E por isso, toda essa complexidade presente em semelhante programa tão torpe - em todos os sentidos possíveis, eh eh eh!
Aí está o verdadeiro interesse, senhores: mesmo aqueles que não se mostram gostam também de observar - ou espiar, como se costuma dizer. Já o veredito sobre as falácias de nossos grandes irmãos, deixo-o para a opinião de cada e tão somente um de vocês!...
No mais, nunca se esqueçam da prima finalidade de um BBB: o entretenimento. Afora tal, tudo não passa de suposições, teimas e teorias da conspiração. E que venha logo a próxima edição - e que eu ou um de vocês esteja lá dessa vez... Ora, afinal o importante mesmo é fazer história, quá-quá-quá!