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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

(certa outra) Tarde De Sábado

Um pensamento lhe insistia na mente; uma curiosidade - uma intriga tão somente. Sim, ele desgostava do estéril, do improdutivo ato de prever o futuro, regia cada dia como a única concretidão de sua vida; mas, não obstante, aquele pensamentozinho de nada lhe pungia a serenidade costumeira. Uma pedrinha lançada na vastidão lacustre de sua alma. “Mas, e se...”; “Ora, que diabos eu!...”; “Tolices, quantas tolices estou...”; “Ainda assim, o que há de fato a perder?” - decidira-se então por mediar possibilidades, por mais contraditório que pudesse ser... Consigo, não com a natureza humana. Paciência!, tratava-se de Paulo afinal; ele era toda a noção de momentos - eternidades não lhe despertavam valores.
Aquela tarde de sábado havia sido realmente memorável. De uma forma mais intensa a ele do que a Joana; por mais incrível que semelhante verdade se mostrasse, o caso era que um leve torpor, uma insegurança irrisória, invadia-lhe gestos e cores. Tal condição se fazia por inédita - ou ao menos numa raridade considerável, permitam-me assim afirmar - em seu comportamento: Paulo sempre se apresentava imperturbável, ainda que se vestisse de uma sensibilidade jamais despercebida. Eram os detalhes que lhe chamavam atenção - ele prezava pela notabilidade, mais do que isso, ele a buscava com todo o ardor presente em sua vontade, sua essência; porém as nuances, as nuances é que representavam a sua percepção de beleza. Os caprichos do vestido, o pequeno rubor oriundo do embaraço daquela colisão entre eles, os cabelos tão lisos e bem cuidados - um suave brilhozinho de sol, refletido no retrovisor do táxi, que a fez erguer o braço esquerdo um pouco acima de seus olhos. Era Joana, tão somente Joana, a causa de tamanha repentina incoerência de sua parte. Uma doce e agradável incoerência.
Já se haviam passado três dias, e Joana permanecia num insólito estado indefinido de reflexão. Seu rostinho de porcelana já não transparecia aquela habitual alegria inocente; mantivera-se pensativa assim ao longo de todas as sessenta horas - fechara-se em suas próprias, e até então inéditas, indagações. Olhava para o seu quarto, o guarda-roupa dos sonhos, a estante impecável, a janela que ia ao encontro do mar... E por mais que lhes gostasse ainda, conseguia apenas ocupar-se com tamanha súbita e inesperada introspectividade. Não que isso se tratasse de um embaraço, senhores, esse estágio, digo, essa metade do caminho, ou melhor, famigeradas encruzilhadas que por vezes nos deparamos - não, senhores, tal nova condição unicamente engrandecia seus traços. Joana estava transformando-se irreversivelmente; com isto, sua formosura de cristal e vitrines passaria a adquirir um aspecto mais profundo, mais complexo. Seu encanto deixara de ser unicamente simétrico, este havia atingido a perturbação inevitável - a vivacidade, o arrebatamento constante, a audácia e o ímpeto dos eternos amantes solitários.
Joana mal se continha em suas delimitações físicas; sentia-se, ao mesmo tempo, acima e abaixo do chão. Seus olhos de boneca se vestiam de uma perplexidade considerável; seus dias, ocasiões e necessidades não pareciam tão simples mais - ela continuaria a sorrir para a felicidade, no entanto se dissipara de suas certezas. Encontrava-se, naquela singular terça-feira, imersa em sentimentos incomuns para ela. Ansiava, tressuava, mirava o horizonte, esquecia-se das horas - havia perdido inclusive o episódio diário de sua novela favorita. “Quem se importa mais?...”, reagia despretensiosamente, a coquete. Mas, não obstante, semelhante mudança mostrar-se-ia, daqueles instantes em diante, anos e dias e semanas, inconstante - jamais efêmero. Aqueles olhinhos brilhantes não mais voltariam a si - dispensara todo o seu reino, súditos. Tornara-se um anjo. Um anjo cujo afã se revelava o humano, nada mais que o humano.
Na sexta-feira, Paulo já não sabia mais o que fazer para lidar com a ansiedade acumulada durante a semana. “Um comportamento tão infantil...”, pensava. “E, pelo mesmo motivo, tão bonito!...” Fazia ciência da sua condição nobre, ainda que ridícula. Outro sábado estava por nascer - como agir? Ele buscava saídas, retornos, desvios; nada. Nada parecia extrair-lhe da inconstante estática - a espera. E o pior: o incerto, o improvável. Havia decidido voltar ao lugar onde a encontrara. Joana. Quais chances de êxito em seus movimentos de fato existiam - “Uma, tão somente uma possibilidade.” Não lhe era estranha tal certeza: “Apenas se ela, Joana, houver sofrido, ainda que a décima parte e não mais que isso, o que sofri nesses dias. A desordem dos sentidos precisaria ser recíproca. Ah, deus!... Amanhã, amanhã estará tudo decidido!”
Esperar sorrisos de fortuna raramente constava em seus atos usuais. Mas, não obstante, fá-lo-ia no dia seguinte - naquele tão aguardado amanhã; tudo o que desejava era uma nova e semelhante tarde de sábado. Joana não lhe saía de sua rotina. Arrependera-se inúmeras vezes por ter sido tão indiferente, tão íntegro, tão... Ele. “Por que não me insinuei? Ao menos o telefone, o telefone eu deveria ter descoberto! Quanta prepotência, indesejada ingenuidade...” - com isso, Paulo acabava de trair a si mesmo. Porém ele não sabia que, se houvesse realmente tomado decisão por tal comportamento, jamais sua tão ansiada reciprocidade poderia realizar-se. “Joana haverá de estar lá!”, ele imaginava a própria sorte. No fundo, contava mesmo com ela, com o acaso. Mais uma vez. “Apenas mais uma vez...”
O tempo havia congelado. Conquanto de fato uma nova tarde de sábado se fizesse no horizonte, os ponteiros do relógio pareciam retroceder impetuosamente. Ele não suportava um segundo sequer a mais - já estava lá, do outro lado da rua, observando a fila de táxis. Permanecera ali, encostado em um muro qualquer; um quarto de hora. Uma intragável eternidade. Um arrebate tomava direção de seu corpo. Expressava-se por si, palavras e sinais lhe eram desnecessários. Por mais trinta minutos desistiria... Ao menos era esse o tratado que fizera consigo. “Uma hora, não mais que isso. Afinal, em que estou pensando? Exatamente o quê vim procurar aqui, memórias de Joana?...” - ele esteve mesmo por retroceder. Começara a dobrar a esquina - a mesma esquina que havia tomado na semana passada; o caminho de volta. Um último olhar, o suspiro final de sua insolente esperança. Um movimento súbito - uma imagem gravada há dias; a impossibilidade da confusão e do esquecimento. Tudo isso num átimo. Sim, era Joana, era ela própria que acabara de sair da porta giratória do shopping center - o desejo incontido concretizado. O alento final, o brilho permanente do sol, o desconhecido, o destino; a beleza em si, dispensada de justificativas - Joana! “É mesmo ela! Eu, eu...” Atravessara a rua.
- Olá, bonita! Precipitações me trouxeram aqui, a crença no acaso me fortalecera, e você acaba de me fazer as vezes da doçura e da vontade de viver. Permita-me instigar-lhe o devido respeito e admiração dessa vez... E obrigado por estar onde esperava que estivesse, justamente ao encontro de meus anelos!... - ele se calara após um breve momento; sorriram-se, abraçaram-se. Uma leve brisa lhes acariciavam os rostos. Realmente não havia mais nada a dizer... Nada!
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Que mais querem, senhores? Detalhes, esclarecimentos, descrições?... Aí eu lhes pergunto: e para quê, senhores, para quê? O novo ensejo fala por si, deixemos ambos se instilarem nesse enlace curiosamente tão previsível - e ainda assim tão grandioso! Uma pequena reserva, digo-lhes, é o que falta nos dias de hoje. Façamos a nossa parte, tão somente sonhemos. Com Joana, com Paulo; com nossos próprios alentos. Com a esperança - e com outra fantasiosa tarde de sábado...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Uma Breve Explicação

Por vezes, tudo de que precisamos é uma novidade, um acaso, um ensejo. Em grande parte deles, não sabemos agir da melhor forma - a mais correta, digo, concluída por nossa própria reflexão a respeito, em momentos extremamente tardios (quando não há mais nada a fazer). Não importa. Só existe uma chance - o ineditismo é imperioso. E aí está, creio eu, a diferença entre a imensa massa de nós, subordinados, confinados, revoltosos, e os tais ditos-cujos extraordinários. Nada mais justo - únicos são os que se movimentam brilhantemente no exato instante em que lhes são concedidas quaisquer espécies de escolha. Nada mais justo...
O resto, senhores, o resto são lamentos; lamentos e fracassos. Perdão por tais palavras, mas, não obstante, a cada dia que se esvai, perco um pouco da minha capacidade de esconder verdades - rodeios, vá lá... Enfeites, eu cá os julgo inviáveis. Ilusões, é disto que se tratam as impressões, excetuando-se o êxito. A compreensão até que possui algum valor; o reconhecimento implica ao respeito e dignidade; compartilhar pode vir a fazer as vezes da auto-estima - aceito esses dizeres de forma branda inclusive. Mas a felicidade não se encontra em nenhuma delas; tão somente na vitória, no sucesso, no agir corretamente, magistralmente - ainda que esta seja irritantemente limitada.
Portanto, senhores, saibam agir - esperar, intervir, observar etc. Todos os átimos são insólitos, não há volta ou correções. Talvez outras oportunidades existam de fato; quiçá, sorte ou acaso - é muito provável que sim. No entanto, saibam agir. Não me tomem como exemplo; sou, pois, uma coleção de equívocos, falhas. Não ostento dons e tons. As reflexões, apenas as reflexões habitam minhas particularidades - ainda que aquelas sejam os meus maiores demônios, através de tais produzo semelhantes palavras... Não obstante, mais um dia frio e insone se faz por acabado.

P.S. Um longo período de inanição de idéias e atividades literárias é o resultado deste inverno para mim. Espero que isso se encerre logo. Porém indesejadas constantes em minha vida me tolhem a força motriz de minha caneta - meus dedos ostentam o estado glacial presente na ausência da ação. Conquanto continuo a viver e absorver tudo o que se passa ao redor; em seu devido tempo expelirei minhas impressões neste espaço, em forma de linhas, protestos e utopias. Peço as mais sinceras desculpas por atrasos e inatividades. No entanto, um alento: prometo, tão logo possível, esclarecer aqui, como dito há meses, os acontecimentos fantasiosos de (certa outra) Tarde De Sábado...