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domingo, 19 de setembro de 2010

Crônicas De Um Miserável (a origem)

O que vou contar-lhes não se trata de motivo de orgulho ou um quê de fantasia; faz-se aqui simplesmente um infortúnio, um embaraço, um desencontro - tão somente outro em tantos, inúmeros, incontáveis - de meus acasos. Triste, senhores, algo triste, verdadeiramente triste. Mas, não obstante, jocoso. Afinal, feito um moleque parisiense, divirto-me de forma plena justamente por ser um infeliz. Necessidades de preocupações, não há; meus anos ponderadamente avançados já executaram o capital serviço de me tolher a fúria, a revolta, a ira e a indignação, todos tão característicos e presentes no espírito da jovialidade. Não me importo mais, foram-se há tempos tais dias de minha vida. Restou-me a galhofa - ainda que justificada na desgraça própria.
Contudo, seguimos em frente. Sempre em frente!...
Apesar de não ser mais um jovenzinho - alguns cabelos brancos, pelos indesejáveis, protuberâncias inconvenientes, resmungos, rezingões, enfim, uma velhice precoce, eh eh eh! -, continuo a viver sob as asas de meus pais. Nada de vergonhoso perante meus encabulados e trôpegos atos desferidos ao longo de semanas rotineiras - ah!, eu sou mesmo um fracasso, ainda que cômico. Como já foi dito, sem preocupações, zelo ou considerações da parte dos senhores para com minha condição; eu estou bem, de fato. Desejo apenas o riso e a atenção sarcástica de todos - anseio mesmo por semelhantes vieses. Merecimentos, unicamente merecimentos de meu quinhão. Pois bem, possuo também um irmão, um irmão mais novo. Certamente o ser que mais me detesta em toda a humanidade. Mas sem confusões: eu o amo inopinadamente. Nós nos amamos, é verdade. Amo-o como uma criança que adora seu pequeno adorno de pelúcia - maltratado e subjugado diariamente, ainda que presente por toda a eternidade. Afastem-me de meu pequeno irmão um dia sequer e - tenham certeza disso, senhores - perderei o apetite de viver. Tranquem-nos em um mesmo ambiente por trinta minutos e pensarão que se encontram diante de Herodes e uma de suas estimadas vítimas. Como nos entendemos bem!... No mais, nossa casa é habitada apenas por outra pessoa, a faxineira - que nos dá o ar de sua graça semanalmente e não mais que isso. Um encanto. Fico sem palavras toda vez que a vejo adentrar nosso lar a fim de realizar sua sagrada labuta. Como vêem, não possuo o hábito de me explicar as ironias com freqüência - acostumem-se.
Deixemo-la de lado, senhores, por ora, aquela coisinha volumosa e intrigante.
Não se trata de uma residência muito grande - o suficiente. Quartos individuais, sala, cozinha etc. - nada demais ou que justifique linhas e parágrafos extensivos de descrições. Uma inutilidade far-se-ia aqui, caso lhes gastasse o precioso tempo de consideração supostamente concedido a este desditoso que lhes escreve. O único fato digno de nota, ainda que não de orgulho: moramos longe, bem longe. De tudo. Moramos onde certos traidores bíblicos costumam perder seus pertences - botas em especial. Pois bem, continuemos; o tempo urge, senhores! É preciso, é preciso...
Possuo um automóvel. Na teoria, um automóvel. Minha vaidade ferida não lhes permite dizer qual modelo, mas, não obstante, a audácia e o despojo presente igualmente em meus traços se fazem por maior. Um Fiat Uno, anos noventa (e alguma coisa). E só. Nada mais nesse mundo ostenta o meu nome. Sequer sentimentos, sequer sentimentos alheios!... Ninguém jamais morrera de amores por mim. No entanto, a esperança - sim, senhores, ela própria, como sempre -, a esperança não se dissipou por completo. Uma fagulha tão somente. Já que, ademais, sinto-me velho... Ao diabo!, não quero falar sobre isso - pronto, não falarei mais!
À ação, finalmente, à ação. Caso contrário, perder-lhes-ia todos os olhares, a começar por aqueles um tanto quanto despretensiosos...
Uma semana inteira de trabalho. Tudo bem, eu admito, meio período em uma repartição financeira de um escritoriozinho de meia pataca não é uma tarefa das mais desgastantes, no entanto, em se tratando dos níveis de minha disposição para tal, ah!, pode-se dizer que isso já seja uma maldição tamanha. Abençoada, é bem verdade, pois não sou tão assim ingrato. Ainda assim, um pequeno tormento e uma atividade à altura do esquecimento. Portanto, faço igualmente uso das vestes daqueles que praguejam as segundas-feiras - e oram pelas tão aguardadas sextas-feiras... Ah!, as sextas-feiras! Cometo sempre inutilidades - as mesmas, por vezes, sempre as mesmas inutilidades - ao longo de semelhantes dias, particularmente após os seus períodos crepusculares. Já lhes contei que sou um ser irritantemente noturno? Tenho problemas com o sono - ao menos durante os horários habituais. Creio ser isto culpa da ociosidade. (Sim, sou ocioso; provavelmente consequência de minha compulsão pela preguiça - só de pensar em escrever, dá-me uma canseira no cérebro, braços e olhos...) Mas, não obstante, em tal âmbito comportamental, sei de que me situo na média terrestre. Bando de imprestáveis somos nós, eh eh eh! Contudo, de alguma forma, precisamos de diversão - precisamos de diversão! Qual o melhor ensejo para tal? Respondo-lhes, numa palavra, quando se é proibido. Embora as sextas-feiras também sirvam agradavelmente para tamanha finalidade...
Mas cá estou eu divagando novamente - e nada, absolutamente nada de história, senhores!... Eu sou mesmo um incorrigível. Sim, é o que sou, um incorrigível! Não obstante, em tempo estarão ao alcance do conhecimento de todos os lastimosos ocorridos em uma sexta-feirazinha aí de um passado não tão distante de minha vida; algo que por obrigação deveria tratar-me de esquecer, mas que, partindo de uma impulsividade sem explicações aparentes, resolvi não apenas não guardá-los impetuosamente, mas como também lançá-los às posteridades. Ainda que subterrâneas - afinal este é o meu lugar, aqui moram todas as minhas inquietações. Conquanto que tal ato fique para depois, já que toda essa explicação acabou por me tolher o pouco ânimo que me restava há minutos - e as vistas começam a se turvar, e os dedos, por coçar... Basta, basta com toda e qualquer atividade, no momento preciso de descanso!

4 comentários:

Unknown disse...

Haaaaa, excelente começo! Excelente começo! O que posso dizer? Dei mesmo risada com a descrição do relacionamento entre os irmãos, lembrou-me ao meu próprio com minha mana mais nova, embora hoje estejamos bem mais pacíficas! E quanto ao lugar onde moram? HAAHAHAHHA, Onde Judas perdeu as botas, grande sacada! Aguardo por mais capítulos, pois a ironia ágil deste primeiro já me cativaram... *-*

Rê disse...

Como é bom te ler. Deciliei-me com esse início de projeto; impecável!!
Ansiosamente esperando novas palavras.

Natália disse...

HAHAHAHAHAH só vc An!
Adoreei o texto e to esperando a continuação! HAUIHA

beijos amigo lindo ;*

Marina da Silva disse...

Olá AJ,
Gostei D+ deste texto! A escrita como sempre está impecável! Gosto da metalinguagem em seus textos, que neste me chamou a sala Machado de Assis. Go, keeping walking! Abraço. Marina.