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sábado, 27 de novembro de 2010

Essa Chuva Que Não Para...

Um ano. Um ano se desfez - exatamente não sei; mas um ano se trata de muito tempo. Talvez não (afinal, já supostamente vivi trinta deles). Não obstante, os dias se vão e não voltam mais. As mudanças, se há de verdade, as transmutações, as convicções constantemente vencidas ou defasadas registram tão somente lembranças esvaídas - lembranças que, ainda assim, servem como provas de uma vida fortalecida em equívocos. Uma pequena sala branca, igualmente um ventilador - com alguns toques em azul, é verdade -, papel e caneta, e uma mente já não tão perturbadora assim; lá fora, ela, a chuva.
Duas horas. Este é o tempo imprevisto que o acaso me presenteou - agora. Não estou com pressa, não estou com sono (é manhã, por mais incrível que pareça); não há tarefas, tampouco vontades, anelos. Só o tempo, a chuva... Faz mal não, faz mal não! Creio que aprendi a esperar; ao menos ando lidando de forma surpreendente com tal fenômeno. As águas desabando seus infortúnios em terras de homens me dizem o que fazer. “Espere!” - Para quê? Eu pergunto. Costumava perguntar... Para quê, perguntas? Agir eu já sei; aguardar se faz necessário. Um dia, um dia a chuva encerrar-se-á - um dia, um mês, uma hora... Que diferença faz?
Pessoas. Presenças, ausências. Inconstâncias - de quê se trata o eterno? Não quero mais eternidades, não sou uma divindade - não acredito mais nelas. Admito valores, confortos, e nada mais; quiçá um dia, um dia possa eu vir a desejar semelhanças tais. Mas, não obstante, não neste momento. Quero viver, esperar se de fato for preciso. Onde estão aqueles de meu interesse? Afastei-os de mim. E o que restou além dos pensamentos? Alternâncias, transformações. Mudanças e pensamentos. É bem verdade, parece, as convicções e o homem são coisas muito diferentes (devo-lhe essa, meu amigo Chátov!). E a chuva, a chuva lá fora já não mais me assusta - ela me faz rir, galhofeira que é.
No entanto, uma idéia, uma idéia fixa se mostra intrínseca em minha atual condição. Algo que me impele a mais alta compreensão e o sentido de toda a existência, de toda e qualquer justificativa do amor pela humanidade que se manifesta em mim. O ódio, para quê o ódio, se todas as vontades comungam? Felicidades são dádivas, raridades valorizam décadas de atos e sensações; não obstante, as pessoas continuam sendo as mesmas - inseguras, eufóricas, apáticas, altivas. Continuamos vivendo, continuamos vivendo... (Com chuva ou sem chuva, continuamos vivendo; seguimos em frente!)

domingo, 14 de novembro de 2010

Crônicas De Um Miserável (uma sexta-feira agradabilíssima - parte um)

Pois bem, uma sexta-feira. Finalmente; uma sexta-feira. Havia acordado dormindo, como de hábito - passara a noite anterior fazendo sei lá o quê, até não sei quais adiantadas horas da madrugada. Quanto tempo perdido, senhores! Mas, não obstante, certo alguém já afirmara que perder-se é ver-se livre - ora, não é mesmo? Ademais, uma sexta-feira justifica quaisquer inépcias - ah!, e eu produzo tantas, tantas! -, não só de meu feitio, mas de toda a desmesurada humanidade. Afinal, sexta-feira só existe uma, ao longo de uma semana inteira... Aos diabos com esse mundo atroz!
- Ao trabalho, ao trabalho, ignóbil ser imprestável!
E assim começara aquele dia insone - não por vontade própria, mas tão somente por necessidade plena. Um desastre, a pobreza é mesmo um desastre...
De fato, eu nunca havia morrido de amores e orgulhos por meu ofício (e por todos os meus estimados colegas, digo, antes de qualquer coisa), porém - igualmente verdade - algo eu deveria realizar. Afinal, um homem sem trabalho não é um homem; e quanto a isso, bem, numa palavra, senhores, eu sou inflexível, irredutivelmente inflexível! Não obstante, uma alegriazinha sempre se é presenciada - até mesmo na iminência da (auto) desgraça, senhores! E, nada mais que um belo e furtivo sinal do que tamanho e aguardado dia estaria reservando para este humilde narrador, eis, pois, que ela resolveu dar o milagre de sua presença. Ai, ai (suspiro)...
Uma adenda: ela significa a fulaninha que, numa palavra, vale por um dia exaustivo de trabalho - tudo bem, eu confesso, um dia não tão exaustivo assim, eh eh eh! Descrições? Bem, pois, ela não é tão bonita como deveria ser, mas, não obstante, perfila-se tal qual boneca de vitrine. Uma maravilha, senhores!... Só vendo. Voltemos ao quiproquó.
Estava eu na mais azafamada expectativa pela minha libertação, ainda que cíclica, lutando contra os ponteiros do vil relógio de parede situado defronte às minhas lastimosas e torpes querelas que teimavam em remar contra a maré, quando aquela delgada e esguia senhorinha resolveu aparecer. Ela havia solicitado os nossos serviços de despacho faz poucos dias - talvez uma semana ou mais, bem, não somos ávidos assim por solucionar encargos tão celeremente -, e estava um tanto quanto que reclamando urgência por um fim em seus suplícios. No entanto, ela se mantinha, sempre que me visitava - pois, tal trabalhinho coube a mim, tão somente a mim -, com um sorriso e uma curiosidade; isso me fazia pensar tolices, tecer planos, aproximações etc., numa palavra, coisas do gênero. Qual gênero? O de palhaço, oportuno, prazenteiro... Ah, eu já lhes contei que sou um incorrigível? Nesse caso, eximo-me de toda a culpa. Quá-quá-quá!
Ela tecia palavras, mas eu mal prestava atenção em outra coisa senão em seus detalhes: roupas, cabelos, gestos - tudo no lugar. Aos diabos com o que ela queria, no fim tudo daria certo; bastava ter fé, tão somente uma pequena fé em mim... Óbvio, eu resolveria tudo a tempo, ou no máximo em cima da hora. Afinal de contas, somos todos brasileiros - e faço questão de exercer o meu papel, eh eh eh! E tudo estava caminhando tranquilamente - alguns gracejos de aparência despretensiosa de minha parte, sorrisinhos, ainda que simplesmente por obrigação, da parte dela -, numa palavra, uma manhã de sexta-feira tranquila. Até que ela disse, sem mais nem mais, “adorei o seu corte novo... Sério!” - sério? “Sim, sério.” Obrigado, senhorita não sei de quê, obrigado pela preferência, digo, diligência! E agora, senhores? Poderia eu, por mais miserável que fosse, ficar simplesmente de mãos atadas - melhor dizendo, com os lábios enclausurados? Óbvio, óbvio, senhores, recuso-me a lhes dar semelhante resposta!...
Num átimo, ainda que internamente aquilo durasse para mim horas e eternidades extasiantes e inesperadas, tudo se deu da súbita e seguinte forma: havia prometido para a segunda-feira próxima a solução para todos os problemas dela, e, bem, arrisquei um pouco a minha sorte tentando solucionar também os meus. Problemas, problemas! Ela não disse vírgula a respeito de minha trôpega e confusa, porém incisiva investida; mas também não disse um não! Ah, maldito silêncio inefável de palavras - essas coquetezinhas provocadoras são mesmo danadas! (Mil perdões pela redundância, senhores, mil e um perdões por tamanha deselegância...)
Portanto, aquela manhã terminar-se-ia assim, ostentando expectativas, ainda que de certa forma a um passo da frustração; nada mais interessante ocorreria até o meio-dia. Ela se despedira sem palavras - mas os sorrisinhos a acompanharam até a porta de saída. Ponto para mim - ou não? Não obstante, vale-se notar que, àquela altura das horas presenciadas, o vazio supremo e dominante em meu estômago me tolhia quaisquer capacidades de raciocínio, percepção e impressões. Tal maneira que até do nome de minha ilustríssima visita seria capaz de me esquecer... (Vá lá, vá lá, eu estou mentindo, senhores, isso estava longe de ocorrer. No entanto continuarei omitindo-lhes esta irrelevante informação; afinal de contas, um nome é tão só um nome - um mero detalhe.)
Ah, mas se ainda se perdura algo de sagrado neste crudelíssimo, descortês, ameaçador e precoce mundo da produtividade financeira, um quê intransponível e inviolável; se a sublimidade do humanismo teima em insistir com a sua resistência perante tamanha desconsideração e desigualdade dos direitos universais, este simbólico, necessário e adorado - justificadamente, justificadamente por sinal - ensejo, hábito e ato milenar unicamente é nomeado e conhecido por A Hora do Almoço. Sim, a hora do almoço! - ou os senhores estavam esperando por algo mais vital que isso, advindo de um reles funcionário, digamos, morto de fome, hem? Mantenham-me tal regalia, e unicamente a partir disto sustentarei minha dignidade por toda a minha vida - e tenho dito!
Pronto. Fartar-me-ei de delícias e guloseimas - um chazinho igualmente cairá muito bem. De quem mesmo estávamos falando? Ah, com os diabos, por uma hora inteira não quero saber mais de nada, quá-quá-quá!