Powered By Blogger

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Crônicas De Um Miserável (uma sexta-feira agradabilíssima - parte final)

Ah!, mas, no entanto, sou eu mesmo merecedor de tamanha delícia, e amorosa e curiosa felicidade? (Presença inexplicável e indiferente da beleza.) Numa palavra, não - claro que não... Ainda assim, ainda assim, que noite agradabilíssima. Ao final de tudo, ao final de tudo!... (Quanto tolhimento da ação - não obstante, é preciso, é preciso!...)
Numa palavra - pois naquele momento, sob mãos irrequietas, o aparelho celular enfrentava sérios riscos quanto a sua integridade física; este oscilava entre tais mãos e a iminência de uma queda inesperada -, numa palavra, encontrava-me incapaz de assimilar tudo o que ela, a lesta senhorinha, dizia-me. Ao fim, um convite - à casa dela, senhores, à casa dela!... O motivo? Bem, isso já não importava mais - aos diabos se eu não ouvira direito! Minha condição emocional insuflada me permitira tão somente - o que já se tratava de um esforço imensurável - memorizar o endereço. Rua tal, praça etc., uma escola, uma padaria, três quadras... Quatro quadras... (Pelo amor!, não há modos para tamanho armazenamento!...)
Pois bem, por mais incrível que parecesse, sobrou-me tempo até para um perfuminho barato - ah!, que coisa deplorável!... Um completo bufão. Lá estava eu, feito um juvenil, décadas sob as costas; ainda assim, um juvenil. Identifiquei uma luz acesa em um dos apartamentos do pequeno e único prédio do local - logo após a praça, a escola etc. Era ela; a luz era ela, digo, melhor, a luz era dela - ou do apartamento, ou de ambos, ou... Enfim, era ela. Decidi por anunciar minha presença através de um telefonema - uma segurançazinha de nada (que mal me faria?)...
Em instantes, ela surgira. Se houvesse dirigido meus olhares para cima, seria possível que me perdesse os sentidos. Não era a mesma senhorinha com que me acostumara tão brevemente a lidar na repartição - ela era outra pessoa, digo, outra imagem. (Relato um parágrafo sobre tal imagem? Não, não relatarei parágrafo algum - manter-me-ei egoísta até o fim dessa crônica!) Maravilha, senhores, maravilha! Vestido, cabelo, perninha - de fato uma coisinha admirável!...
E o que acontecera dali em diante, digo, após eu recobrar-me de meu semi-estado de catatonia? Bem, senhores, é de se imaginar, é perfeitamente previsível; mas, não obstante, trata-se de minha função contar o que houve - afinal, ela não vos diria absolutamente palavra a respeito. (Portanto, agradecei-me, ainda que tardio...)
A cena se deu assim: quinze minutos. Pouco menos de quinze minutos. Ela entrara no carro. Estava um pouco trêmula, embora agisse decidida. Um leve beijo como cumprimento. Aquilo tudo me deixou inebriante; ela alternava a direção dos olhares entre os meus e o porta-luvas. Eu cá não conseguia desviar-me de seus traços. E, logo de imediato à minha iniciativa de lhe dizer algo, como que me atropelando, ela me confessou a sua brilhante idéia.
- Perdão, pois sei de que se trata de sua hora de descanso, ainda mais em uma sexta-feira como essa - ela disse tais palavras prenunciando o pior para mim. (Ora o que tem de mais em uma sexta-feira como essa?) Não obstante, ela continuou. - Porém, é com a melhor das intenções que o chamei aqui. Tenho em mãos alguns documentos que, creio eu, irão facilitar e acelerar o seu trabalho. Eu, bem, eles estão aqui. Tome-os. É isso...
Não havia notado a pasta que ela carregava consigo. Não me importavam os detalhes irrelevantes; ela estava ali, em meu carro insignificante, diante de todas as minhas vontades e necessidades, para me entregar uma pasta que, segundo ela, continha elementos o suficiente para me auxiliar no ofício de minhas responsabilidades? Era isso então? Ela queria mesmo tornar-me um inútil por completo, incapacitando-me de meus próprios afazeres? Como se eu não estivesse à altura de...
(“Espera um minuto, deixe-me refletir sobre o sucedido. Quer oferecer-me hora extra? Do meu trabalho cuido eu, mocinha... Já de você, já de você cuido eu também!”)
Óbvio. Eu não disse palavra. Recebi a pasta, derrotado. Não obstante, toquei-lhe a mão - e senti toda a sua insegurança. Mas do que se tratava esse ato impulsivo da parte dela? Inocências?, uma galhofa?, indecisões?... O diabo, o diabo sabia o que ela possuía verdadeiramente em mente!
- Ah, é isso - após o meu toque ela demorara exatos três segundos para afastar sua mão, assustada, de minha. - Bem, obrigado. Muito obrigado. Não precisava de tanto esforço (ou pressa) afinal - mas, não obstante, era perceptível a sua fragilidade. - Prometo-lhe resolver tudo (mesmo!) já nesta segunda...
- Eu preciso ir. Eu, bem, trabalho amanhã cedo... Estou de plantão, e... Bem, é isso. Digo, eu preciso dormir cedo. Eu, bem, é isto. Pois, boa noite. Eu...
Ah!, mas só podia se tratar de uma troça - uma mofa! Ela, a senhorinha que respira altivez, que desfila trejeitos e gracejos, maliciosa, aquela que adora ostentar seu narizinho acima de nossos olhares, ela mesma, atuando desesperadamente? Ela exibia angústias, tão somente angústias e inquietações - dava para ouvir o coraçãozinho de beija-flor dela pungindo centenas de batimentos incontroláveis. Ah!, mas aquilo se tratava mesmo de uma piada... Um chiste, uma pilhéria - e nada mais, nada mais!
- Tem certeza? Não há nada que possa oferecer? Nós podemos, digo, se não for uma inconveniência, nós poderíamos conversar sobre assuntos mais agradáveis. Nem é tarde assim (ainda)...
Não obstante, ela foi irredutível. Dispensara-me. Uma bela - e precoce - suposta noite de sono fora a sua opção mais apraz. Ela saíra de meu carro, deixara-me com a sua pastinha. Trôpega, confusa, receosa; chegara por fim a sua residência. Ponto final. “Até logo. Até segunda...”
x
“As mulheres brincam com a própria beleza como as crianças brincam com seus canivetes. Sempre saem feridos.” - pois bem, mas no ato de fato, o que fazer? Eu não iria atrás dela, amarrar-lhe os pulsos e reclamar-lhe os tremores e suores... Uma cena miserável, ainda que agradabilíssima. Após ligar o carro, com o verdadeiro intuito de assassinar o pusilânime silêncio, unicamente me restara um destino: a ebriedade! Doses, estupefacientes, toxicidades; o que mais aliviar-me-ia tal estúpida condição? E numa sexta-feira como aquela... Eu sabia que havia algo de inusitado, mas aos diabos!, que pessoas morram em seus plantões! (Nem que seja tão somente de tédio, senhores, de tédio - mas morram...) Revoltara-me com o belo e o sublime. Pronto, falei!...