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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Uma Folha De Diário

Assim como minhas impressões noturnas, ela se fazia notar por uma aparente simplicidade. Digo aparente, pois poderia ela facilmente ser identificada por seus sorrisos e belos traços - como se a vida fosse assim, resumida em sins e nãos. Sim, ela era sorrisos (e belos traços...). E, não, jamais tratar-se-ia de sua individualidade tão somente semelhantes imagens. Não desejava um mundo rendido sob seus pés. Mas, não obstante, talvez apenas por se sentir do tamanho de uma formiga - que só conhece o direito ao ofício. Tolhia a si mesma glórias e reconhecimento.
Era de uma sensibilidade aguçada e notável. Desprovia-se de julgamentos, mas era incapaz de desperceber o menor dos movimentos. Respirava com sinceridade, trabalhava com leveza, sonhava com dedos de criança. Vivia os seus dias presentes. Ainda que se atormentasse com as incertezas do amanhã, por mais que temesse comportamentos inexplicáveis, deixava transparecer unicamente atos de desenvoltura. Um exemplo; buscava um exemplo para se enxergar diante do espelho.
Sofria com as manhãs roubadas - seu sono precocemente encerrado. Males advindos de escolhas e necessidades... Dias duravam imensidões, perante tamanha entrega em sua carreira - seus planos sendo ferrenhamente, ainda que imbuídos de adversidades excessivas, postos em prática. Parecia tudo tão improvável... E qual era sua resposta? Óbvio, os sorrisos. Sorrisos, crenças, sublimidades. Cobranças eram naturais e esperadas; mas, não obstante, creditava valores no destino, no acaso, na bondade e na força do desconhecido.
Dos dias de descanso fazia sua festa pessoal - aguardava-os com uma calma inquietante. Noite, luzes, cores... Ebriedade, dinamismo. Celebrava suas mínimas dádivas com a maior das intensidades. Compensava mágoas e pedras com extasiantes imprevisibilidades. Ansiava encontrar um amor para a vida toda - e morria de medo e de tédio pelos laços e grilhões eternos. Conhecia um universo de pessoas; não preenchia os dedos das mãos ao contabilizar seus íntimos e constantes amigos.
Dizia-se por feliz, embora não soubesse defini-la - a felicidade. Amava a família, atropelando todas e quaisquer desavenças. Culpava-se mais do que se admirava. Mas, não obstante, confiava nas voltas que o mundo supostamente dá. E se pudesse escolher entre o dinheiro e uma tarde praiana ensolarada, saberia de cor e antemão qual biquíni usar...
Um dia desses, daqueles em que deus parece esquecer-se de nós, vi-a por aí, de cabelos presos. Deixara cair uma folha de papel. Ao dar conta de mim, ela já havia se retirado - o dia far-se-ia longo, por sinal. Decidi lhe entregar, aquela folha de papel colorida por escrever, de forma discreta, impessoal talvez. Mas ao ler a primeira frase, toda a minha intenção inicial se deu por vencida.
“Hoje chorei...”
É, a vida se faz mesmo por inconstante. E, de fato, as nuances mais pungentes são as intangíveis. Os detalhes verdadeiramente decisivos, as definições de humor, as sensações mais francas, tudo isso tão somente se é compreendido através da subjetividade de nossas vontades. (Estaria eu sendo injusto e cruel ao guardar comigo todas aquelas doces confissões? Mas, não obstante, algo irreversível acontecera em tal momento que a perdera de vista. Com sua alma revelada em simples e intensas palavras sob minhas mãos, diante de meus olhos, acabei-me num pranto mudo, silencioso. Talvez fosse felicidade, sabe-se lá; quiçá me deixara tocar por tamanha inocência de espírito - e tantos desejos, tantos sonhos, tanta vivacidade... Creio ter sido a certeza de não mais estar sozinho - de não tecer pensamentos únicos, fadados a uma morte prematura - o motivo de minha súbita satisfação. Sim, eu me encontrava pleno. Suas lágrimas me salvaram.)
Naquela tarde, os sorrisos ficaram por minha conta. Sua mágica havia sido concebida. Uma flor, lá do outro lado do planeta, desabrochara. E num átimo a harmonia negligenciada dos sentidos se fez presente.
- Quem disse que a beleza se vê isenta de infelicidades? Tudo bem, tudo bem, eu entendo você... Faz mal não! Um dia, moça, um dia tudo estará resolvido...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Antes Que A Noite Chegue

E assim, como um quê de inexplicabilidades, transformaram-se minhas noites em estágios de um sono profundo. Tal nova e súbita condição haveria de verter consequências, além de se justificar em motivos - ambos desconhecidos até o momento. Trata-se do calor e da retomada de velhas rotinas? Não, não tão somente isso; descreio em simplicidades para mim. No entanto, reservarei a dúvida das causas para outra ocasião - por ora escolho lidar apenas com as reações, impulsivas ou não.
Não que a minha vontade se encontre prejudicada nesses dias, porém a dificuldade atual em me desvencilhar de semelhante latência, assim como de sustentar a vigília requerida pelas obrigações corriqueiras, parece amenizar as minhas capacidades. O ímpeto talvez, quiçá o temor pela ausência de atividades que tanto me é regular. Sabe-se lá... O que acontece, de uns tempos para cá, é que a minha sobrevivência a custo de produtividades e explicações meio que atingiu uma fase de inanição. (Um platô? Não, não - longe disso, senhores, longe disso...) E, coisa estranha, o que mais me sustém inquietações em tais horas é o fato de desconhecer a benevolência - e a travessura - de tamanha impressão.
Impressão esta que perdura por mais de uma semana. Incrível e atípica condição de minha parte, atravesso dias de uma serenidade imprevisível. Dias quentes. Dias leves. Despreocupações, descuidos até - desleixo ou negligência, quem sabe... Não obstante, impressões agradáveis e inéditas. Algumas resoluções não saíram como o esperado? Não importa; os meus atos continuam dizendo por mim. Não foi despertado - até então, por que não? - todo o potencial que acredito fulgir em minha essência? Faz mal não, faz mal não!... De tais momentos brandos faço minha condescendência. Ainda que se prolongue tão somente por mais este instante, esta linha que escrevo, comprazo-me com semelhante harmonia ordinária que curiosamente decide por abraçar as sombras de meus traços.
Ando aceitando antigos medos (ou seria resignação?)... Admirando pequenas linhas, nuances (uma recusa ao sublime, pode isso ser possível?)... Evitando heroísmos (uma inovadora desnecessidade?) ... Reservando-me o estado comum de viver - sei de que se trata de uma ignorância de minha parte; talvez aqui esteja ocorrendo certa mudança de opinião (afinal de contas, o que será de fato melhor, uma ventura mesquinha ou um tormento magnificente?)... Mas, não obstante, sigo sem querer saber de amanhã.
Outra semana está para se iniciar, e a única impressão que me vem é justamente a mesma. De antes, dos dias recentes. Ainda que sejam tão somente para dormir, as horas que se dão, quero-as assim. Suaves. Ainda que soe como ingenuidade ou velhice, que fique como está. Os sentimentos de agora. E nada, mais nada...
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(E isto é o que sinto agora, senhores, uma vontade incontida de confortar os corações do mundo. Mas, não obstante, cultivai a distância entre nós. Para que se mantenha a conveniência idealizada, ela se faz necessária - perturbadoramente necessária.)