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domingo, 24 de abril de 2011

A Ressaca (crônicas de um miserável)

Eis, pois, que o dia se encerrara. A noite, digo - melhor até; que um novo e curioso dia batera em minha janela, transmutado em raios solares despertadores. (Maldita dor de cabeça!...) Sim, porque, para se deparar com incríveis desfechos de sextas-feiras tais, a cachaça!, tão somente a cachaça alenta. Não obstante, talvez a desnecessidade de doses extraordinárias seja pertinente... Aos diabos! Que as minhas imprestáveis entranhas saibam lidar com isso. Afinal sou um sobrevivente. "De quê?", perguntam. Ora, eu afirmo: dos finais de semana, dos finais de semana... Das famílias, dos semi-ofícios, das ausências de sentido, das anedotas indevidas - e das senhorinhas lépidas e fagueiras. (Sem mais nem mais.)
Desconhecia a exatidão das horas. Desconhecia a importância do dia. Não sabia sequer como viera para casa... Ah, mas quem se preocupa com detalhes tantos? De que eu precisava - só indo à cozinha. (Dois analgésicos, por favor; uma xícara de café e uma dose daquela bebida ex-soviética que se usufrui quando parcos se encontram os vencimentos...) Mas, não obstante, pensava inefáveis vezes sobre o assunto. Valia mesmo a pena de me levantar? O diabo, o diabo sabe dessas situações - assim como os miseráveis. "Ah!, mas quanto drama, meu senhor..." - alguns podem indagar. Senhores, replico-lhes, não julguem uma autêntica falta de afazeres. Valores são belos em teoria, e quando se morre de amores (na verdade isso é uma inverdade, mas não quero discuti-la no momento). Não quando a ressaca é maior que o próprio estômago - e a dignidade. Jamais!... Experimentem atingir o fundo do poço sem ao menos conhecê-lo! Pois bem, decidi por me levantar. Não havia nada melhor ou pior a se executar.
Mas, não obstante, aquela não se mostrara uma simples tarefa. Logo após à saída de meu quarto, questionamentos perturbadoramente indelicados e inconvenientes foram dirigidos à minha pessoa... A verdade se revela a todo momento, basta atuar a paciência: nem uma nem duas, parentes sabem perfeitamente potencializar uma ressaca - de forma considerável. (O difícil mesmo é atuar tamanha paciência...)
- O que houve noite passada? Sabe que horas são? E que olhos são esses?... Sangue de Cristo!
(Essa é minha mãe adorável - às vezes.) Sem resposta.
- Ele estava de promiscuidade, mamãe, eu tenho certeza! Olha só essa cara de libertino...
(Apresentações são irrelevantes, não são? Pois bem.) Ah, mas o que exatamente esse moleque anda vendo na TV? Novamente sem resposta.
- Não é possível! Nessa idade, filho, e você ainda agindo feito adolescente?
(E você, querida progenitora, bancando a mãe-que-não-quer-que-seus-filhos-cresçam... Sei, sei.)
- Pois é, mamãe... Por que você não o manda embora? Ele já está grandinho...
(Embora? Para onde? Eu não acreditava que ouvira isso de meu irmão mais novo!)
- O quê? O que você disse? - pronto, essa era a deixa para me desvencilhar de tais abordagens e dirigir-me finalmente à cozinha. (Obrigado, "mamãe"!)
A enxaqueca aumentava na medida em que as memórias da noite anterior vinham à tona - náuseas, vômitos e perturbações oculares. Não, senhores, eu não sou hipocondríaco; apenas estava tomando nota da bula de remédio mais próxima.
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Naquele momento nada me satisfazia. Um completo vazio, apesar da indigesta situação. Jornal, televisão, a rua lá fora - não dispunha vontade alguma. Ainda que manter os demais habitantes da casa afastados de mim - a uma distância segura para meus ouvidos - fosse interessante, a indiferença já havia me tomado posse. Desejava nada não: talvez mais sono para poder dormir (e ganhar na loteria)...
Loteria - minha vida estava mais para roleta russa. Súbito, as dores iam se esgotando. (Não é que a medicina costuma funcionar quando se tem fé? Sem teorias conspiratórias dessa vez...) Mas, não obstante, as memórias - sim, aquelas mesmas de outrora - faziam-se por presentes. E estas se desviravam em intrigas. E estas, cismas - e estas, iniquidades. (Pronto. Num átimo, voltara ao meu estado habitual de funcionalidade.)
Ah!, mas esta condição mais ou menos de ser - e de sentir - não é mesmo adorável? Em tempo, a hora do almoço ainda havia de chegar...
Bem, esses momentos de depressão pós-ebriedade não são lá os melhores para se fazer quaisquer espécies de julgamento; mas, não obstante, algumas considerações - e condenações - eram de fato inevitáveis. Mudanças se faziam por necessárias. Mudanças significativas, mudanças em âmbitos diversos. Deveria parar com as irracionalidades - com os excessos e os quiproquós. Haveria de criar um modo para tal árduo traçado. (Mas como, exatamente como, diabos!, iria fazer isso? Em todo o caso, envolto em divagações é que não consegui-lo-ia...) Ora!, eu possuía um nome a zelar - qual mesmo, não importa. Pois bem, estava definido - de novas e sagazes atitudes se ordenariam os meus dias. "O pensamento é o labor da inteligência, a imaginação é a voluptuosidade. Substituir o pensamento pela fantasia é confundir veneno com alimento." Portanto, sem paixões arlequinescas de minha parte!...
Ah!, mas como um venenozinho é vital para nossas vontades - as volúpias. O que fazer quando quer-se o que não se tem, e principalmente quando o que se quer não se justifica? Desvirtuamo-nos até não mais poder - porque da razão se é inútil dizer em condições tais. Mas, não obstante, que eu não perca o foco: mudanças, rumos, sentido! (Não necessariamente sob esta ordem.) Porém, antes disso tudo, outro par de comprimidos só para cobrir as necessárias garantias, mais um sábado à-toa - e um suspirozinho de nada, o último que seja!, por aquela danadinha miserável... Por todas elas, por todas elas!, digo e não digo mais nada.