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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Abrigo

Seus olhos descobridores a denunciavam - envolver-se-ia por toda a vida com as nomeadas questões eternas. "Até onde vai o infinito? Por que o céu é azul? Deus inventou todas as coisas, tudo bem - mas quem é o pai dele?..." Fazia de seus fortes traços uma continuidade dos próprios sentimentos. "As religiões pregam o amor; ora, mas por que então tanta desconfiança entre elas?" No entanto, aprendera logo a não obter espécie alguma de resposta. Com o tempo - e isso nunca se dava da mesma forma, tratavam-se sempre de um ineditismo inesperado - habituara-se a tecê-las por si mesma, as respostas. Mantendo aceso, é claro, o seu natural olhar inquiridor - e diante daquela recém condição de independência de raciocínio -, crescera assim, como que um encanto e uma surpresa.
A infância. Ela fora a razão e o orgulho de uma família; ao menos deveria ter sido. Sim, pois, suas nuances, por mais suaves e inofensivas, expunham a unicidade de seu comportamento. Uma luz, um sol - ainda que de rumos indefinidos. Para ela não havia poréns e afins... Flexionava todo o rigor do antiquado; transformava o comum em manhãs de feriado. Criança. Seus belos tons de ébano ilustravam a diversidade de ações - expressões. Ela, aos poucos, redefinia os limites do sentir - e do viver.
Vi-a sempre assim, espontânea. Risos, sorrisos - a alma desnuda dentre o dentes. Com uma impressão notável e uma resposta para tudo... Mas, não obstante, eternamente sem ponteiros. Talvez ainda se indagasse pelas beiras do infinito, quiçá possuísse no coração uma bússola (daquelas que não apontam para o Norte) dos desejos. Verdade era que vivia agindo e esperando - mais agindo do que esperando. Um exemplo para quem realmente se dispusesse a manter os olhos abertos. Ainda que jamais, desconfiava-se, assegurasse o próprio valor, a própria grandeza. Melhor assim, quem sabe.
Encontrava-se perdida, solta em suas vontades - a verdadeira liberdade. Despreocupava-se (arte corriqueira ao longo dos anos porvir). Nutria laços de íntima amizade, mas, não obstante, insistia em conceder parte de seu brilho a qualquer um. Sem exceções. Sua vida era sempre brincar - fazia a diversão de suas indistintas condições. Perguntavam-lhe: o que quer ser quando crescer? "Não sei." Hoje, um quadro um pouco diferente: o que deseja dessa vida? "Um abraço." Não obstante, sempre, sempre criança...
Num dia desses quaisquer, ela me aparece, feito quem não quer nada, em ruas e lojas, alheia, de óculos escuros, fingindo ser a mesma pessoa, como que numa cronicidade permanente, a todo momento. Uma pequena dádiva nos lábios, mas era evidente a tristeza em seu coração. (Uma cena dessas não devia, ainda que necessária seja, não devia mesmo existir.) Faz mal não, criança, faz mal não... Se eu pudesse, oferecer-lhe-ia abrigo. Porém, por uma maldade do destino, sou daqueles que mais pensam, negligenciando atos e impulsividades... Faz mal não! Sei que ela, um dia, consertará todos os defeitos do mundo. Um dia, criança, um dia.