Powered By Blogger

quarta-feira, 28 de março de 2012

Tempestade

Conhecera-a num dia qualquer, numa casa qualquer. Tratava-se de um convite em comum. Era de se esperar: os interesses mútuos atropelavam as formalidades... Saíram de lá, não tão tarde assim, entrelaçando mãos e olhares. Um novo casal anunciado. Fazia um imenso calor; a noite ainda não se dava por completa. Afãs, urgências, curiosidades. (E o acaso se vestira de risos e malícias...) Sentimentos juvenis - audácias maturadas.
Viveram dias impensáveis, confissões inefáveis e verdades inapagáveis. Um redemoinho no meio da rua. Plenitudes notáveis, explosivas vontades. Adivinhavam, um ao outro, razões e pensares. Atuaram unicidades, celebraram paixões - pretéritos assassinados. Presenciavam pores-do-sol; em seguida, insones madrugadas, rentes desejos. (Pelas manhãs, a exaustidão comemorada...) Faziam de uma simples refeição azo para enredados debates. Inocentes filosofias; toques, reflexos, beijos, olores. Marcas na areia - brisas na alma.
Eternidades de éter. Num átimo, assim como quem tudo quer e nada faz, despediram-se. Jamais tornar-se-iam a vir. Não havia motivos para ambos os caminhos - idas e retornos. Óbvio. As individualidades, as individualidades... Um fim súbito, premeditado. Linhas contadas de um diário. (Era mesmo o fim, brusco e necessário - o fim...) Uma nova e estreita manhã; uma inédita tarefa. Solitude. A leveza do ser reconquistada. (Desnecessidades evitadas...)
Com o devido tempo todos os vestígios se esfacelaram. Indiferenças de outrora. Seguiram adiante. Os dias, as horas, nada permitia as lembranças. Mas, não obstante, a pele carregava consigo relâmpagos e sobrepesos. Recordações tatuadas. Tão somente isto - e nada mais, nada mais... As ocupações se encarregaram das arestas. Semanas, meses, anos - inumeráveis quadros. Nomes, esquecimentos. Inércias... Harmonia. (Um filme antigo e vidas que seguem...)
E das palavras trocadas, dos pensamentos desditos, das promessas ousadas, sobrara-se unicamente o paladar. Olhos marejados de criança; saudosos sorrisos de ancião. E aqueles dias, todos aqueles poucos dias escondidos entre décadas de anuidades, dias nos quais liberdades se cruzaram - e gentilmente se afastaram -, aqueles ímpares dias ainda sussurram, calmos, quietos, hálitos de amor. Prazeres imortalizados em sentimentos e telefonemas perdidos. Plumas que se soltam e se vão com o vento. Naturezas incapturáveis. Um instante, um instante de júbilo. Vidas repletas de sentidos... Significados. Tempestade de impressões.
x
"É bem verdade que todo passado naturalmente se torna meu inimigo. Inconveniências. A precisão da morte se faz aqui presente. É bem verdade, pois, que vivo apenas para ações e reflexões pontuais. Identidades. A obrigatoriedade do ser singular. Constâncias, desbravares - ciclos rompidos. Mas, não obstante, singelas relíquias de memórias ilustram minha estrada percorrida. Dos erros faço flores e versos; das saudades cumpro canções... E das páginas, das páginas lidas e vividas, conservadas em amarelo-claro, das páginas de acasos e escolhas, destas páginas teço tão somente gratidões. Sim, eu sei. (Não sou mais poeira...) Sou água, ar e dinâmica."