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segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Pentelha (crônicas de um miserável)

Meus estimados senhores, o relato que lhes apresento hoje é um tanto quanto estranho - não que os demais sejam menos incomuns, é bem verdade; mas, não obstante, trata-se de algo que me intrigara de fato. Coisa curiosa, senhores, coisa curiosa... Numa palavra, um pequeno bilhete confessado num guardanapo, que parecia - lembram-se de minha memorável noite natalina, não é mesmo? -, vejam bem, que parecia um alento incomparável, revestira-se numa tragédia; uma perfeita e perversa tragédia. Fatalidades, meus caros senhores, fatalidades... Justo eu, justo eu, digo, o mais vil e despudorado herói destas linhas de embaraços! Pois bem, nada é demais para se dizer que jamais será visto... Baboseiras, baboseiras!
Eis pois que expectativas foram criadas, embora a esperança seja algo de uma total inutilidade que, consoante às minhas conclusões pessoais, decidira há muito tempo esterilizá-la. Vejam bem, senhores, tão somente após três descompromissados dias daquele fortuito ocorrido é que resolvera pegar no telefone. Uma ligação, senhores, uma simples ligação juvenil. Vejam bem, vejam bem...
- Por que demorou tanto, hem? Achei que já havia me esquecido... - surpreendente, não? Essa priminha viera mesmo a calhar. - Já contei para todos!
- Como tem passado? Pois... Espera, contou exatamente o quê, criatura? - vejam bem, meus senhores, vejam bem...
- As suas artes, meu amigo. As suas artes e sua graça.
- Como pode? Que maçada... E sua graça, de qual se trata? É que não me lembro tão bem assim, sabe, as artes, a ressaca, os três dias afinal...
- Chamam-me Catarina, pois, na verdade, nunca precisei me chamar de fato, ih ih ih! - uma galhofeira, uma galhofeira!... Estranhezas. Pensando bem, era de se imaginar. (Poderia existir outra forma pela qual fosse eu capaz de despertar interesses, senhores, principalmente depois de uma vodcazinha ou duas? Improvável...)
- Ah!, sim... Catarina! Muito bem.
O quê dizer, senhores? Ela aparentava encantos (eu juro!), a pequena danada. Esbanjando coquetismos e sinuosidades... E eu, meus senhores, eu, bem, saltava de fanfarras a espalhafatos. Óbvio. Vislumbrara o primeiro prêmio. Já em nosso segundo contato, um encontro marcado. Um jantar, meus senhores, um jantar! Pois bem...
- Encontra-se admirável, minha prezada Catarina... Muito bem, muito bem! O que deseja fazer, minha querida, o que deseja fazer numa noite como esta, hem?
- Ah!, bondade sua, pois... Um restaurantezinho de nada, coisinha à-toa. Uma ou duas bebidas, uma e outra palavrinha aqui e ali, e estaremos bem. Sei de um lugar que... Bem, vamos, vamos!
- Pois não, Catarina, pois não... Tudo, nesta noite, tudo para você! - é preciso, senhores, um pouco de drama é sempre preciso, concordam?
- Só nesta noite? Ah!, não...
(Uma apropriada reflexão. Achava que não escutara bem aqueles últimos dizeres; "só nesta noite, só nesta noite?" - quanta pressa, quanta pressa! Uma surpresinha... Uma desconfiançazinha de nada. E, senhores, ao final de todo o romance, bem, um trauma e uma camisa-de-forças! Continuemos, continuemos...)
- Talvez não, digo... Veja bem, minha Catarina, ainda é cedo, digo... Hem! Mas qual! Como a noite está convidativa, não? É melhor irmos logo... Para onde, para onde mesmo, hem?
- Para esta e aquela rua... Como disse, é uma coisinha de nada, querido, uma coisinha de nada! Não se preocupe...
(Sim, eu já estava preocupado. Muito, senhores, muitíssimo. Preocupado... A carteira, a carteira sempre me fora um problema. Vejam bem, pois, vejam bem...)
Ao alcançar a penúltima esquina, já previra minha sina. Aquele mês seria longo... Um mês inteiro, senhores! Tal jantarzinho custar-me-ia dois olhos da cara - e se houvesse mais, se houvesse mais... Deixemos de lado as obscenidades, pois! "Uma noite, uma única noite sua por minha vida..." - ou seria o contrário? Aos diabos! Eu já me sentia tão generoso... O bufão de sempre afinal. Mas qual, que nada! Prometi galanteios por toda aquela noite... Por favor, não se assustem, senhores, não se assustem, por favor. A vida é mesmo um cenário... É isso!
- Por gentileza, minha querida...
- Ah!, muito obrigada!
- Depois de você...
Aperitivos, pratos frios, doses requintadas - uma e outra idazinha ao toalete... Que noite, senhores, que noite! Muito bem, muitíssimo bem. Minha priminha sabia mesmo como viver. Abusos à parte, eu apenas sorria. Em tons apressados, é bem verdade. Mas, não obstante, tudo haveria de ser recompensado - pois quem consegue viver de fato sem essas tais recompensas, hem? Pequenas alterações emotivas, umas garrafazinhas vazias aqui e ali, e a coisa já se declinava para algumas leves inocentes libertinagenzinhas... Tudo muito fino, meus senhores, tudo muito fino. E a alturas tais, minha conta bancária já absorvia o golpe de forma anestésica... Quem se importava afinal? A paixão nos faz esquecer as maldades, assim como torna inevitável deixar de lado, na mesma medida, o altruísmo e quaisquer ponderações (estou correto, digo, corretíssimo, não, senhor Hugo?)... No momento, no momento eu não dava a mínima, meus senhores, a mínima!...
- Ah!, mas quanta diligência!... Eu quero me casar.
- Não entendi.
- Como?
- Simplesmente me ensurdeci. É incrível.
- Uma brincadeirazinha, meu querido, apenas uma brincadeirazinha de nada, ih ih ih!
- Ah!, sim, pois... Muito bem.
- Meu lindo!... Delícia, delícia!
Por deus!, senhores, por deus! - o que era aquilo? Por mil e um diabos celestes, pelos trezentos intragáveis espartanos!... O quê era aquilo? Troças, folgas, risotas - intenções obscuras, horripilantes sentenças. E a ebriedade então... Minha adorável Catarina já se mostrava uma autêntica borrachona. O quê dizer, o quê fazer em enseios tais? Pois, ah!, eu continuaria sem dar a mínima... Infortúnios! Mas, não obstante, começara a temer o próximo passo. O porvir... E os dividendos, senhores? Os dividendos, os dividendos, ai ai ai!
- Pois não.
- Pois não? Pois sim! Teça-me um elogio.
- Que danada...
- Perdão?
- Digo, Catarina querida, nada!... Nada, bem, nada far-me-á desistir agora...
- Do casamento?
- Maldição, hem!
- Ih ih ih!...
- O jantar, querida.
- E mais vodca, mais vodca!
Que coisa, que coisa, não, senhores? De fato, como voltar atrás? Daria um braço, três vísceras, oferecer-lhe-ia parte considerável de minha dignidade por aquela noite... Ah!, mas como é tão fácil condenar-me por nuances femininas! E o preço? Que preço, meus senhores, que preço! Num átimo inesperado, ela passara a cantarolar versos ininteligíveis. Supus que deveriam ser todos eles britânicos, embora parecessem mesmo aborígenes... Pecado, pecado!

Continua...

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