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quinta-feira, 26 de julho de 2012

A Pentelha - Parte Dois (crônicas de um miserável)

Muito bem, meus senhores, muitíssimo bem!... A coisa ia de uma tal forma que já não havia mais o que fazer: servidão. Servidão e - no máximo orações, orações, digo eu... Ora, aos diabos!, isto jamais coubera a mim. Haveria de beber, de comer, de festejar, pois já se definira. (Uma louca, uma louca!)
- Venha, querido, venha me dizer as palavras corretas...
- De que mesmo se trata?
- A música, a música, peste!
- Ah!, a música... Que música então é essa?
- Eu desisto. Desisto! Leve-me embora. Daqui, sabe? Rápido! Daqui e de todo lugar... Leve-me embora. Está bem? Desisto, desisto!...
- Eu... Eu... Um minuto.
Levá-la embora. Num átimo, ela semi-adormecera debruçada na mesa, em pleno salão. As iguarias ordenadas acabavam de chegar, e minha dama só se fazia por dizer "desisto, desisto!". E não havia mais lugares para todos aqueles pratos... Meu deus, que papagaiada! Todo o local já se despertara para o nosso burlesqueado, e eu, meus estimados senhores, eu, vejam bem... Não sabia de fato o que dizer.
- Obrigado, obrigado. Um minuto, pois...
- Leve-me embora! Leve-me embora!
- Calma, querida, tenha calma... Olhe aí, todas essas tentaçõezinhas de delícias...
- Não as quero, não as quero! - e ela passara a derrubar aleatórios pratos e talheres ao redor. Tanto desperdício, senhores... Mas, não obstante, a vodca permanecia intacta. Mil diabos bêbados, malditos todos eles!
Uma pergunta de minha parte se faz aqui necessária, senhores: numa palavra, o que exatamente fariam em meu lugar? Pois eu havia decidido por levá-la mesmo embora; já não queria mais uma vírgula daquele lugar. Responsabilizara-me por todos os gastos - tão ébrio que me encontrava, sequer recordara a justa quantia. Ao fim do mês tudo revelar-se-ia, pois... Para quê a pressa afinal? Tormentos adiáveis - ilusórias condições de crédito... Que fiquem assim! Voltemos à encomenda principal. A princesinha então se transformara em rã. Que ridículo, digo eu! "Leve-me embora, leve-me embora!" Maldições intragáveis, ela não parecia ser assim... Catatonia! Que bela fanfarra, pois... E as recompensas? Ah!, histórias, nada mais que histórias - embaraços e histórias...
Ao chegar em sua humilde residência - nem tão humilde assim, é bem verdade -, enfim o desfecho áureo de minha peregrinação. Ela acordara, depois de ter praticamente desmaiado durante todo o trajeto de retorno. Que houvesse ficado desse modo, eu digo, entregue ao inconsciente inofensivo... O pior acabara por aterrissar.
- Então é isso, meu senhor?
- Assim como me requisitara. Está em casa.
- É isso, então é isso?
- Pois não.
- Quer-me assim, embora, de volta para casa? É esse o significado do seu desejo?
- Ora, mas... O que quer realmente dizer com tantas voltas, tantas charadas?
- Nada, nada! Eu desisto, desisto! Você não vale uma lágrima sequer... - e se desabara em pranto. Que coisa, meus senhores, que coisa, não?
- Mas como é possível? Que maçada!
- Não quero vê-lo mais! Suma daqui!
- Sim, sim, querida... Mas para isso você precisa sair do carro...
- Não saio, não saio!
- É mesmo uma louca. Uma louca!
- Eu lhe adoro, não percebe isso? Seu imbecil, imbecil... Adoro-lhe, grande imbecil!
Ah!, nisso estávamos de acordo, senhores, e como - um notabilíssimo imbecil! De onde saíra essa infindável dramaticidade? De quem originara tamanha culpa? (Já os encargos momentâneos... Sim, sim, um imbecil - um completo imbecil!)
Poupar-lhes-ei das partes mais ardilosas, pois se até hoje meus ouvidos me condenam pelas desnecessidades suportadas naquela noite - três horas, três absurdas horas de insanos monólogos fantasiados de argumentos e discussões... Ah!, nem eu acredito, senhores, nem eu acredito! -, então não serão suas ilustres atenções incumbidas de tamanho desprazer. Não, não, mil vezes não!... Três horas, jamais! Malquista noite de natal - e todo aquele desencontro!
- Escute, Catarina, eu não queria magoar-lhe...
- Imbecil, imbecil!
- Pensando melhor, mudo minha ideia. Digo-lhe que sim, que quero.
- O quê? O que você quer mesmo, hem, benzinho?
- Magoar-lhe. É isso. Sua louca.
- O que, o que, o quê? - foi justamente nesse momento que minha insólita acompanhante passara a chorar copiosamente. (Mais isso, senhores, ainda mais isso...)
- Saia do carro.
- Não... Não...
- Então eu saio. - Entregara-lhe as chaves e tudo mais, exceto minha dignidade. - Quem desiste sou eu, senhorita... Passe bem.
- Não... Não!
- Ah!, vá!
Desvencilhara-me de todas as suas artimanhas, fugido, maltrapilho e maltratado - derrotado por inefáveis carências alheias. Mulheres, tresloucadas mulheres... Preciso de um tempo - um tempo, senhores, um tempo e um refúgio. Que seja! Por outro milhar de inusitados demônios, eu juro que não consigo... E ela me parecia tão interessante... Sim, sim, meus senhores, existem gestos e curiosidades de diversas vertentes - mas a loucura, a loucura... Ah!, desta basta a minha, digo... Dias melhores virão. (Eu creio.)
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Pois bem. "Recomendo-lhes moderação nos desejos.", ele me dizia. "A mulher!, desconfiem dela.", ele me insistia. "Desgraçado de quem se abandona a um coração volúvel de mulher! A mulher é pérfida e inconstante." É isso. Muito bem. "Detesta a serpente por ciúme de profissão." Vejam que maldade!... Muitíssimo bem. "A serpente é a maior concorrente ao seu comércio.", ele me finalizava. Mais ébrio do que eu, é bem verdade... Mas, não obstante, dos sábios não se discorda; dos versos se extrai sentido. Em quê posso contradizer-lhe, meus queridos senhores? Nenhuma palavra sequer, hem, o que acham - muito bem... Não há mais nada a fazer. (Talvez um ou outro conto, talvez... Aos diabos, pois!)

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