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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Melancolia

  - Não se preocupe, moça... Sou eu apenas, e nada mais do que sou, fui ou serei...
  Aquelas palavras quebraram um silêncio de alguns inquietantes minutos, após um reencontro absolutamente inesperado. Mas, não obstante, todo e qualquer tom mostrar-se-ia inevitavelmente indesejado. Era um dia estranhamente úmido e frio.
  - Pois então, senhor, descumpriste o que tu mesmo estabeleceste para nós, para este lugar... Para o teu passado, morto por ti?
  Apesar dos quase dois anos de distância, todas as nuances se mantiveram intactas, e a única diferença se fazia no lugar revisitado - agora, um pouco mais encanecido. Já os olhares, estes permaneciam ávidos e controversos, como se o tempo inativo lhes tivesse injetado alguma espécie de combustível, e quaisquer que fossem as histórias de cada um, soltas, elas sempre exibiriam tão somente uma ausência plena de sentidos.
  - É isto. Não há necessidades de mais palavras, moça, ao menos de minha parte. Você sempre soube de meus retornos. Jamais seria de outro modo...
  - Sim, é bem verdade, mas o que é bom se vai, e não volta mais. Sobram-se apenas essas tais palavras...
  Intensifica-se a chuva - e os acasos e os destinos sem rumo. Ambos, pessoas e lugares, não se haviam prontificado para tamanho recâmbio. Mas, não obstante, era preciso. Um adiamento a mais, e tudo estaria perdido de vez. Avistaram de forma automática e inocente um refúgio: um velho e conhecido restaurante. Fazia-se a hora. Moveram-se para lá, em tempo, numa inata sincronia. Uma súbita vergonha inexplicável lhes tolhera as tangências. Olhavam para o chão já encharcado, enquanto corriam. Ele seguia os passos dela num ritmo natural, intrínseco.
  - O que você acha de...
  - Sim. Tu não farás mal a mim, não é bem assim?
  - Certas coisas não mudam, por mais que se tente, moça...
  "Mesa para dois?". Ele puxa uma cadeira para ela; em seguida, senta-se do lado oposto. Olhares paralelos. Duas taças. Nenhum plano.
  - E agora, meu amigo? O que acontecerá daqui em diante?
  Taças semi-vazias. Nenhum apetite. Vontades mutuamente fúteis.
  - Não sei. Sinceramente, jamais saberei, moça. Falta-me o tom para seguir em frente. Na verdade, confesso, este lugar e o quê fazer se revelam inúteis para mim. E quer saber? Já não me importa mais... Uma vírgula, que seja! Não me importa mais.
  Horas suaves, leves intuições. Um brinde às escondidas, e tudo volta a seu tempo regular. Insinuações a respeito de realidades alternativas. Além disso, nada mais. Uma conta a pagar. Despedida. Nada, nada mais.
  - Muito bem, senhor, muitíssimo bem! Agrada-me o que vejo em ti. Apesar de teus evidentes novos traços envelhecidos, há um quê de atraentes mistérios... Creio ser isto.
  - Talvez... Talvez se trate de uma recente descoberta, digo-lhe. Nada digno de orgulho. No entanto, algo reconfortante, libertador.
  - O que seria, poderia eu saber?
  Antes do último olhar, mesmo sem defini-lo como tal, fizera-se o fim. Não havia mais, de ambas as partes, sequer uma declaração a ouvir. Tudo se passava pelo mesmo de antigamente. Redundâncias... Mas, não obstante, uma derradeira resposta.
  - Por mais que eu tente, moça, por mais que eu insista, é-me impossível deixar de ser aquilo no qual me tornei. Há cerca de vinte anos... Os caminhos, os equívocos, os comportamentos... Desisti de negá-los. Não adianta. Basta, pois! É tempo de flertar com as facilidades. (Acho que nunca desejei tanto ter um filho como agora...)
  "Ah!, mas a melancolia, senhores, a melancolia..."