- Não se preocupe, moça... Sou eu apenas, e nada mais do
que sou, fui ou serei...
Aquelas palavras quebraram um silêncio de alguns
inquietantes minutos, após um reencontro absolutamente inesperado. Mas, não
obstante, todo e qualquer tom mostrar-se-ia inevitavelmente indesejado. Era um
dia estranhamente úmido e frio.
- Pois então, senhor, descumpriste o que tu mesmo
estabeleceste para nós, para este lugar... Para o teu passado, morto por ti?
Apesar dos quase dois anos de distância, todas as nuances
se mantiveram intactas, e a única diferença se fazia no lugar revisitado -
agora, um pouco mais encanecido. Já os olhares, estes permaneciam ávidos e
controversos, como se o tempo inativo lhes tivesse injetado alguma espécie de
combustível, e quaisquer que fossem as histórias de cada um, soltas, elas
sempre exibiriam tão somente uma ausência plena de sentidos.
- É isto. Não há necessidades de mais palavras, moça, ao
menos de minha parte. Você sempre soube de meus retornos. Jamais seria de outro
modo...
- Sim, é bem verdade, mas o que é bom se vai, e não volta
mais. Sobram-se apenas essas tais palavras...
Intensifica-se a chuva - e os acasos e os destinos sem
rumo. Ambos, pessoas e lugares, não se haviam prontificado para tamanho
recâmbio. Mas, não obstante, era preciso. Um adiamento a mais, e tudo estaria
perdido de vez. Avistaram de forma automática e inocente um refúgio: um velho e
conhecido restaurante. Fazia-se a hora. Moveram-se para lá, em tempo, numa
inata sincronia. Uma súbita vergonha inexplicável lhes tolhera as tangências. Olhavam
para o chão já encharcado, enquanto corriam. Ele seguia os passos dela num
ritmo natural, intrínseco.
- O que você acha de...
- Sim. Tu não farás mal a mim, não é bem assim?
- Certas coisas não mudam, por mais que se tente, moça...
"Mesa para dois?". Ele puxa uma cadeira para
ela; em seguida, senta-se do lado oposto. Olhares paralelos. Duas taças. Nenhum
plano.
- E agora, meu amigo? O que acontecerá daqui em diante?
Taças semi-vazias. Nenhum apetite. Vontades mutuamente
fúteis.
- Não sei. Sinceramente, jamais saberei, moça. Falta-me o
tom para seguir em frente. Na verdade, confesso, este lugar e o quê fazer se
revelam inúteis para mim. E quer saber? Já não me importa mais...
Uma vírgula, que seja! Não me importa mais.
Horas suaves, leves intuições. Um brinde às escondidas, e
tudo volta a seu tempo regular. Insinuações a respeito de realidades
alternativas. Além disso, nada mais. Uma conta a pagar. Despedida. Nada, nada
mais.
- Muito bem, senhor, muitíssimo bem! Agrada-me o que vejo
em ti. Apesar de teus evidentes novos traços envelhecidos, há um quê de
atraentes mistérios... Creio ser isto.
- Talvez... Talvez se trate de uma recente descoberta,
digo-lhe. Nada digno de orgulho. No entanto, algo reconfortante, libertador.
- O que seria, poderia eu saber?
Antes do último olhar, mesmo sem defini-lo como tal, fizera-se
o fim. Não havia mais, de ambas as partes, sequer uma declaração a ouvir. Tudo
se passava pelo mesmo de antigamente. Redundâncias... Mas, não obstante, uma
derradeira resposta.
- Por mais que eu tente, moça, por mais que eu insista, é-me
impossível deixar de ser aquilo no qual me tornei. Há cerca de vinte anos... Os
caminhos, os equívocos, os comportamentos... Desisti de negá-los. Não adianta. Basta,
pois! É tempo de flertar com as facilidades. (Acho que nunca desejei tanto ter
um filho como agora...)
"Ah!, mas a melancolia, senhores, a melancolia..."