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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Metades (ou pedras rolando)

Seu maior medo era o esquecimento. Faltava-lhe algo; sempre lhe faltara algo... Numa palavra, encontrava-se cronicamente insatisfeito. Desacreditava em diagnósticos e previsões. Mas, não obstante, suas impressões desconheciam a falha - aguardava impaciente pelo fim. Abandonaram-lhe todas as surpresas... Resignara-se diante de sua solitude incondicional. Não importava mais; “aos diabos!”, deveria ter gritado. No entanto, suas artes se faziam por incoerências - preferira desferir risos ao redor. (Lugares vazios, frios, inertes...)
Na véspera de sua grande mudança - não sabia de fato aonde ir -, despedira-se da mulher. “A culpa é minha, eu sei. Mas, querida, não faça uso de seus direitos em mim. Não nos pertencemos; apenas lhe amei com elegância - e nada mais.” Evitara por demasiado tempo tais vontades: uma ânsia e um ardor que lhe roubavam sono e tolerância. Dispunha de forma imprescindível da certeza de que, agindo assim, renunciaria a quaisquer modos de um lar. Tornar-se-ia andarilho, feito tempestade. Indesejável. Não recebera sequer um adeus. Era justo. (Não havia motivos para tais alentos.) Permanecera do lado de fora da casa. Até a hora exata.
Tratava-se de um dia apropriado - chovia pela manhã. Uma estação rodoviária; poucos pertences, dinheiro - suficiências. Nenhum itinerário. “Dá-me uma passagem para o mais pontual dos destinos.” (Aquele que urge, o instante.) Sorriu para a moça do guichê. Sentou-se em um banco de espera por quase cinco minutos. Ofereceu café a um indigente. Olhou para os próprios cadarços. E, num átimo, feito atos de uma peça mal-feita de teatro, já se mostrava longe.
A seu favor, tão somente a estrada. Sustentava-se inábil em pensamentos - esgotara-se por completo de planos e sonhos. Lera todos os livros de seu interesse; não havia mais nenhuma espécie de provas. Mas, não obstante, descobertas... A fronteira. Reinventava meios para não sucumbir às desistências. Um dia quase inteiro de viagem. Tratava-se de um dia comum. Ainda chovia. (Isso já não lhe proporcionava tantos receios.) Arrependimentos? Unicamente do tempo perdido. Cabelos alvos... Uma insone alma juvenil.
Sentia a vida como grãos de areia que escorriam por entre os dedos; agora, adrede, atirava-os ao horizonte com as próprias mãos. Decisões. Tornara-se estrangeiro. Sabia nada além do instinto. Consumia avidamente as suas últimas impressões. Selvagerias. Via-se então, embora imerso em contradições, exatamente da forma que esboçara para si, há décadas... Uma terra inesperada, ações e respostas desmedidas. Identificava-se em reflexos de bares e vitrines. Abraçara dores e prazeres. Um comportamento incomum. “Cinquenta anos... Cinquenta anos desconhecidos.” Sorrira mais uma vez. Meios copos vazios, palcos gastos, jovens moças - e lá fora, lá fora a estrada novamente a lhe incitar pecados. (Ainda era cedo...)

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