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domingo, 23 de maio de 2010

Tarde De Sábado

Ele não era atraente afinal, porém despertava a curiosidade. Seus olhos um tanto quanto irônicos - e ao mesmo tempo perspicazes - indicavam indagações que remetiam ao desconhecimento e a unicidade. No fundo ele cultivava certa melancolia, apesar dos sorrisos constantes e das sonoras gargalhadas. Tal tristeza era percebida apenas em suas palavras escritas e lamentadas; uma lágrima de palhaço escorria em seu interior. Seus ângulos retos denotavam tão somente disciplina e dedicação: exercícios, dieta; uma rotina que não o orientava a mais nenhum lugar senão o autocontrole. Ele não fazia cálculos ou planos, tampouco possuía a pretensão de viver décadas ou semanas; decerto que a necessidade de um insólito guia para refrear toda a inefável insanidade presente em seus sonhos era exaurida através de pesos, velocidade e calorias racionadas. Mas ele não era belo - e dizia a si mesmo não se importar com tal infortúnio.
O que o tornava alguém digno de um conto, senhores? Eu lhes respondo: a altivez, orgulho e opinião próprios, e o completo despojo das comparações. Ele tecia pensamentos, discursos e anedotas que o faziam ostentar a raridade, ainda que por vezes tais ultrapassassem os limites da compreensão alheia. Insuportava mesmices, mas, não obstante, aceitava-as. Sabia de seu lugar junto à solitária multidão de ilustres anônimos, apesar da falta de tom. Não usava sapatos, não vestia calças, ignorava formalidades. E amava a humanidade - mais do que amor, havia aí um interesse intrínseco que o movia em busca de sentido, de complexas explicações para o mais simplório dos atos desse assaz intrigante chamado comportamento. Entendia-a pelas metades, no entanto parcas eram as suas decepções. Era capaz de encontrar motivos para os feitos mais cruéis... “Somos todos egocêntricos, repletos de frustrações, eternamente responsáveis por compreender e aceitar o egoísmo de todos ao redor - sem exceção!”. Com estas palavras ele se apresentara a ela naquela tarde. Não havia a visto anteriormente uma única vez, sequer um “oi” ou algo semelhante - e aí, justamente aí, residia toda a curiosidade que ele conseguia provocar.
Ela parecia uma daquelas bonecas recém-lançadas no mercado de brinquedos, a fim de ser consumidas avidamente por crianças que já sabem há um tempo do poder e do vislumbre do luxo - a beleza, principalmente, e o luxo. Havia até a possibilidade remota de que ela não piscasse, respirasse, sentisse fome ou sede - e outras dessas coisas comuns a tudo de que se trata por humano. Uma estátua sobre um pedestal; não de mármore, mas de cera. Ao primeiro olhar, deixava-se claro a sua prima condição de melhores tratos - uma ode à beleza, e todos os cuidados possíveis e inimagináveis que tal requer para si. Luzes, futilidades, adjetivos, era tão somente disso o que ela precisava. Um verdadeiro amor - e todos os seus naturais sacrifícios?... Ah, isso era tão pouco frente aos seus desejos! Ela não nascera para se trancafiar em um único coração, senhores.
Tudo levava a crer que aquela seria apenas mais uma tarde de sábado em um shopping center para ela - não que desejasse mais do que isso em tal momento. No entanto, a surpresa que o mais fagueiro dos instrumentos de deus, o acaso, reservava-lhe jamais visitara os seus anseios até então. Afinal o que mais ela queria encontrar ali? Havia as lojas, as compras, os flertes e os risos. E ela era tão somente sorrisos... Uma autenticidade inocente estampada naqueles cantos de lábios suaves que eram capazes de perverter a maior das indiferenças. Uma criança, uma Alice, uma princesa em seu pequeno castelo saturado de súditos e pretendentes. Tratava-se de egoísmo, sim, porém uma reação natural de alguém que possuía em tamanha abundância a maior e mais cobiçada das virtudes - a formosura. Ela era o coquetismo em linhas delicadas, cores, olores e tênues gestos. Uma doçura, senhores!... O mais sublime dos manjares que os olhares possam absorver - isto, e tão somente isto, era o que ela era.
Uma tarde inteira se passara - rostos, imagens, sacolas, inúmeras delas..., paladares. Uma leveza sem aparentes motivos, a condição primordial de se usufruir trivialidades. Uma vida de plástico, maquiagens e ar refrigerado. Assim se faziam as tardes de sábado de Joana, a menina-boneca. Galharda, garrida, havias as delgadas linhas curvilíneas e havia os seus olhos hipnóticos. A inefável e inebriante sensualidade - a beleza que torturava e cegava. E sempre, sempre exibindo um sorriso e uma indagação; uma intriga, uma vontade irrequieta de encontrar algo que jamais conseguira concretizar em pensamentos, um quê de muito próximo do fantasioso...
Ela acabara de sair de tal shopping center. Despedira-se de algumas companhias, dirigira-se à fila de táxis estacionados. Era unicamente embrulhos - mal via os próprios passos! E de súbito, algo vencera a inércia de sua rotina, como o apito inicial de uma partida - num porvir, sem mais nem mais, tudo começa e nada remanescente de passados recentes se ramifica na memória. Um cronômetro posto a trabalhar, o disparo de um revólver, o nascimento de uma concepção - a paixão, senhores, a paixão!
Nos segundos imediatos após o choque, ela jurava ter se colidido com um muro ou um poste - algo fixo e rigoroso demais para ser transposto. Era Paulo; caminhava os seus passos distintos em seus trajes completamente soltos de tendências sociais e culturais. As compras, os presentes se espalharam pela calçada. E o contraste de imediato entre ambos, que dispensava apresentações e explicações - dois mundos, duas filosofias, duas realidades enfim -, paralisou-lhe os reflexos: Joana se transformara; dera-se conta de seus excessos, suas imperfeições. Logo em seguida, corara-se. E as palavras de Paulo, enfim, foram ditas.
- Não se preocupe, bonita! Eu também possuo, apesar de que as aparências teimam em contradizer tal verdade, igualmente carrego comigo uma infinidade de atos e hábitos individualistas o suficiente para receberem a alcunha de descartáveis. E é por isso que somos humanos, e que vivemos... E saiba também que amar-lhe-ei ao longo de todo o tempo que gastarei empilhando tamanhos e curiosos pertences!...
Tratava-se da peculiaridade de Paulo, comovente, intrigante; não haveria necessidades maiores que semelhantes palavras, tal figura, tal ensejo para que Joana lhe dedicasse uma eternidade de suposições - um torpor que queimava e cativava os seus sentidos. Um dia, uma tarde tão somente; um segundo, um olhar, dizeres e diversidades - pronto!, suas indagações e sorrisos já se nutriam daquela inesperada presença. Não desejava mais ir embora, suas sensações finalmente se vertiam em uma única direção. Um toque, um toque apenas e nada mais, e aquela flor nomeada ardência desabrochar-se-ia.
Não houve mais palavra. Talvez um “até mais”, quiçá um “fica bem!”; não importa. Paulo ia e vinha, essa era a sua essência - um passado, rugas e mágoas infindas o lapidaram dessa forma. Contos de antanho, desinteressantes... Na verdade, houve sim um diálogo entre os dois; não obstante o destino já agira por si - como onda do mar que não se impede, feito o tempo que não para. Usual, indesejável por vezes, esse portentoso galhofeiro já havia decidido por aquelas duas vidas. E a estreiteza, e a ansiedade, as noites incompletas e as horas incessantes, e tudo aquilo que os amantes sentem pungindo-lhes a identidade, independente de objetos ou motivos, já lhe invadiam a alma - ela clamava por notórias recordações; ele desejava apenas entrar para a história.
O diálogo, senhores? Ah, este eu deixo para depois; amanhã talvez, um dia ou dois anos até. Mas, não obstante, creio que suas insinuações bastam para prever o que realmente houve naquele fim de tarde para nossas singulares criaturas, ambos à espera das surpresas reservadas pelo ocaso - triste ou não, uma questão de opinião. Não é bem verdade?

3 comentários:

Unknown disse...

É verdade!!!Mas voce bem que poderia nos contar o diálogo ne?
Pro dia dos namorados, que tal?
Adorei a Joana...rsrs

Unknown disse...

Eu também gostei da Joana, eh eh eh! Dia dos Namorados eu estava pensando em escrever algo sobre separação!... Como eu sou contraditório! Mas, não obstante, prometo esse diálogo para um futuro próximo. Háá! xD

Natália disse...

HAUIHAUIAHAUA
também estou louca pra saber sobre esse diálogo! HAUISHAUS
Gostei de Paulo e Joana! HAHAHA
Mais uma vez, vc me surpreende!
Parabééns queriido! (L)

beeeijos ;*