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domingo, 2 de maio de 2010

Um Alvinegro Dia De Domingo

Ah, como começara lastimoso esse dia... O diabo, o diabo sabe de cor do que estou falando! E ao diabo com tudo isso - dietas, relações, dúvidas, solidões, improbabilidades, pobrezas, trivialidades. Uma maldita contusão na perna, fruto do futebol nosso de cada sábado, impossibilitava-me de realizar minha intensa corrida dominical; um treino leve pela tardinha era o máximo que conseguiria fazer. Não obstante, faltava-me o ânimo. As minhas normalidades e a contínua falta de soluções me sufocavam numa condição acima do habitual. Paciência!, pois o dia ainda se mostrava tão precoce em sua existência... Algo poderia acontecer - afinal de contas, essa é a idéia da esperança, senhores!
E esse algo poderia mesmo concretizar-se, e em forma de paixão clubística - por que não?! Outra vez - e tais vezes já se fazem por incontáveis, é bem verdade! - o futebol salvar-me-ia o domingo. Afinal o meu Galo! estava na final do campeonato - o que mais eu poderia desejar?... E na medida em que o tempo se esvaía, todas as minhas querelas também se desfaziam, tornando-se estas tão somente desnecessidades. Não faltava mais tanto tempo para o início do jogo, e nem eu estava mais com tanta fome assim , eh eh eh!
Uma trégua, uma trégua de toda a miséria - era tão somente isso de que eu precisava. Um pequeno risco para se lidar, ínfimo perante a vontade que persistia em mim; em mim e em outros inúmeros, conhecidos ou não, que compadecem de tal paixão - a única realmente imune a toda e qualquer manifestação de ciúmes e disputas. Neste singular caso, quanto mais efusivos amantes existirem, melhor!... Não somos rivais, não somos mesmo! Aqui há algo mais próximo de uma irmandade, creio eu. E, senhores, trata-se da mais pura concretidão esta minha seguinte afirmação: somos muitos, somos numerosos, somos igualmente incontáveis, constantes, fiéis e inexplicáveis! Controversos por vezes, impulsivos, furiosos, ofensivos. Somos sinistros!... Mas, não obstante, compreensivos perante os iguais. Somos uma nação; e no auge inimaginável do nosso patriotismo, exibimos tão somente uma identidade: o amor, a paixão, a idolatria e a insânia.
Quanto ao jogo, senhores, digo que, numa palavra, não houve jogo - mas um espetáculo, uma apoteose. E por mais que os milhares lá fisicamente presentes bradassem toda essa nossa identidade, algo inusitado de fato ocorrera. Os gritos se tratavam de unicamente reações impensadas, pois por dentro emudecíamos diante da grandiosidade da tal momento. Uma contemplação impossível de ser vertida em palavras - e isso eu sei, senhores, mesmo de longe, em minha casa, de uma distância concreta e considerável, que falo por mim e por toda esta minha nação. Fora inexplicável...
Lágrimas. Sim, lágrimas, senhores, tão somente lágrimas conseguiam expressar o inefável sentimento daquele momento. Um desporto, uma decisão, jogadores, funcionários e outras gentes de suposta maior importância - e torcedores e seguidores. Torcedores assim como eu. Torcedores que, sem qualquer razão plausível e justificável, simplesmente vivem as suas vidas junto a esse mineiro clube de alvinegras cores. E hoje, hoje, acompanhando tudo pela TV - porque nesses dias de agora eu cá não me encontro com tolerância o suficiente para suportar opiniões de menosprezo e subestimação de alguns, apesar das iguais condições uniformizadas -, eu pude pela primeira vez comprovar tamanha sincronia de satisfação, comovência e compromisso: todos, indiferente de propósitos, funções, razões sociais, absolutamente todos vibravam em uníssono. Senhores, eu pude mesmo ver, e afirmo tão cheio de mim mesmo - eu vi unicamente verdades e realizações dentro daquele estádio/ palco. Um ídolo, um craque, um comandante e milhares de não menos importantes outros indivíduos exibindo almas e corações em glória. E o porvir, a consagração!... Não, eu não possuía sequer outra ação para demonstrar tudo isso senão a de verter tais lágrimas. Lágrimas, ainda que dignificadas. Humildes e altivas, lágrimas. Um mundo alvinegro, o meu mundo alvinegro sendo coroado.
Ao término de tal espetáculo, fui-me realizar a tarefa dominical ainda pendente. Correr por aí; queimar calorias indevidamente adquiridas no dia anterior, cumprir outra rotineira semana de exercícios - não concretizar o mínimo de pensamentos possível. Enquanto corria, na beira de uma estrada iluminada apenas por faróis automotivos, aos poucos conseguia retornar-me ao estado normal de existência. A imensa felicidade instantânea se dissipara - junto a ela, igualmente as decepções que carrego comigo. Em seguida, a minha tão esperada leveza de ser. Minha perna nem doía mais! E as lágrimas, ah, estas se resguardaram para futuros ensejos - dos quais não espero tamanha expansividade como a de hoje. E hoje, senhores, hoje eu não preciso mais tanto assim do amanhã... Bastou-me a plenitude da vitória. Nada mais importa - ah, como explicar-me esse amor alvinegro! - nesse dia de domingo.

3 comentários:

Breno Souza disse...

Tem coisas que só se verão no Galo, e aí quem fala não é um apaixonado cego...

No final de minha carreira se eu puder fazer algo para poder ajudar aqueles que confiaram em mim e me ajudaram em minha trajetória, o mínimo é despejar lágrimas de comoção.

Roberto Drummond que me perdoe, e tenho a certaza que ele arrepiara, Mas se você ver uma camisa preta e branca sendo balançada... Lembre se que são os guerreiros que a transformou em uma flâmula, porque não somos um clube e sim um exército e mesmo desprovido de grandes arsenais, vamos fazer muitas vítimas.

Porque torcer está além de ter simpatia, e aqui não nos cabe tal sentimento.

Parabéns pela crônica...

Amplexos,

Gus Martins disse...

Opa!
Custei, mas apareci!
Parabéns pelo belo texto!

Como disse um personagem de Dostoiévski (apesar de um certo exagero), "Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Afinal,não basta isso para encher a vida inteira de um homem?"

Ainda que em espasmos, esses minutos são vividos pelo atleticano com uma incomparável paixão!

Borusso disse...

[/)]O mesmo aqui!
Parabéns, guardo o Domingo duma forma especial.
Nunca fomos Vices do Ipatinga. E até meu tio, geladamente niilista em partidas do CAM, emocionou-se c/ o gol do Calango.