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sábado, 31 de julho de 2010

Retrato

Seus olhos - seus olhos denunciavam todo o interesse. Uma curiosidade que beirava a intriga; certa soberba, arrogância em sua imagem, sua postura; uma altivez que enaltecia e multiplicava curvas e silhuetas; um sorriso, um indagar, uma dúvida; um convite, uma provocação. Ela desfilava, exibia fatalidades, garras suaves, olores inebriantes - cores, gostos, nuances inimagináveis. Transformava ambientes, granjeava atenções, produzia sonhos e enlevos, consumia mente e coração. Devorava infelizes, seres ávidos por caprichos e extravagâncias, deleites e arroubos, que, como o autor réprobo destas linhas, se mostravam incapazes de mediar perigos e conquistas. Ela era seus próprios olhos; tratava-se o resto de faculdades, particularidades. Um arrebate, um êxtase, um projétil. Um selo, uma marca - um liame. Uma impossibilidade perturbadora, um embaraço; ainda assim, um desejo, ainda assim, uma vontade.
E ela enredava tramas e suspeitos - ah!, como enredava!... Dona de poderes e direitos, repleta de ímpetos audaciosos, consciente de atos e passos; deixava-se tão somente submergir por lances e mistérios. Ela era um encanto, senhores! Um terrível e magnífico encanto.
Um simples gesto e um mundo se despedaçava sob seus pés. Alisava-lhe os cabelos com a sutileza e a doçura de mil rosas, pequenos sóis que emitiam centelhas abrasadoras - arredores se viam incendiados com singelos tais movimentos. Caminhava sob pétalas e nuvens, tapetes vermelhos lhe eram estendidos através de pensamentos e apetências. Linhas delgadas, traços firmes, definitivos; soberania, tentação. A lascívia exalada como que por instinto.
Um olhar; um olhar era tudo, senhores. Tudo e nada. A condenação. Sentimentos amorais, razões sem valor, o esquecimento. Perto dela, perdia-se o sentido de bem ou mal; restavam apenas ardências. Suores, tremores, ânsias, prontidões. Bastava-lhe um estalar dos dedos - um exército a seu dispor!... Uma imagem, uma breve memória de suas mostras, e destinos haviam sido decididos. Entregas sem fim, intermináveis noites melancólicas. A inefável solidão de sufocados prazeres; sofreguidão. Ditos, dizeres... Atrevimentos contidos. Necessidades, sobrevivência - o clamor pelo autoconsumo da carne. Almas tropegamente a vagar ao longo de horas insones, perdidas. Livres.
Não obstante, a complexidade e a inconveniência delineavam situações e ambientes; ela era intangível, ainda que inegável. Sonhos, tarefas, quimeras. Um desafio inefável, uma audácia; tão somente uma insolência. Conquanto inexistissem aproximações, ainda que incompatibilidades denotassem todas e quaisquer permissões, ainda assim, ela se fazia feito brisa de mar. Um frescor, um acalento. Ocasionava lembranças ao mesmo tempo torpes e motivadoras - transpunha ensejos ordinários. Vertia o dia em noite, transfigurava a lua em holofote.
Apesar das incapacidades alheias, da falta de tom generalizada, de especialidades; por maior que fossem distâncias e diferenças, ela procurava. Mais do que isso, ela escolhia. Indagava, pretendia, ensaiava diligências. No fundo, ela desejava acasos e enleios. Exausta dos seus divinos dias de perfeições premeditadas, sonhava com o humano, o comum. Estava a um passo da entrega, da descoberta. Uma flor sob a primavera.
Mal sabíamos de sentimentos tais!... Curioso, os anos não nos ajudam absolutamente. Nós, os senhores do equívoco, apenas tecemos nuvens, anseios, imagens e amanhãs. Nada mais ocorreria - um cumprimento, um sorriso talvez; quiçá uma frase completa. No entanto, uma única e elegante pouca-vergonha era do que precisávamos - infelizes e ingênuos! Em seguida, lamentos, tão só lamentos...
- Volte ao trabalho, seu maldito! - ouvia-se uma imprecação indizível ao fundo do balcão. - O que você pensa que está fazendo, seu enamorado de uma figa?...
Uma pena, senhores, uma pena!
E lá se ia tamanha e verdadeira inspiração. Um retrato; um retrato grafado e ornamentado com sangue, vigor e inquietações.

Um comentário:

Vivi disse...

Oi Angelo...
Gostei deste texto. Nele você traça um retrato de uma pessoa sedutora, que ao mesmo tempo que te soa amável, também remete a um certo perigo. A dose perfeita para a sedução, para que um homem se enamore.
E no fundo parece uma mulher que pede, suplica por alguém que lhe desvende, que lhe tire desse pedestal, que lhe diga que é linda sem precisa de adornos, saltos e cores na maça do rosto.
É sempre prazeroso te ler!
Parabéns!
Beijos!