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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

(3) Fim De Ano

  Minha grande luta é saber domar os voos do pensamento, reduzi-los ao limite das ações. Assim e tão somente assim abandonaria de vez toda a aspiração àquilo que não sou - e que jamais serei. Mas, não obstante, confesso: meu egoísmo não admite a resignação, senhores, a conformidade. E, é bem verdade, caso não aconteça algo de extraordinário e fantasioso neste momento que urge, sinto que encontrar-me-ei fadado à eterna vulgaridade - e à revolta eterna...
  Fim de ano. Trata-se de uma época que, por natureza, remete-me às reflexões - a uma conclusão, ainda que mal executada. Em sua maioria, para mim, isso não significa aprazimentos. Por vezes, sobra-me tempo... Desnecessidades. E esse tempo, digamos assim, esse tempo obrigatório de sobra - e o acúmulo de pensares, ah!, todos esses pensares perturbadoramente incontroláveis... -, bem, eu o ocupo com atividades físicas. O esgotamento, senhores, o benquisto esgotamento corporal. Se não vejo com bons olhos atingir meus extremos emocionais, por ora, que eu alcance tais do lado de fora! Pois bem. Dieta, exercícios - e mais exercícios!, mais exercícios físicos... -, privações: ah!, os prazeres da gula e da preguiça... Faço destes os meus mais iminentes inimigos nesta hora íntima de fraqueza espiritual - dessa maneira, senhores, permito-me continuar a viver um pouco mais.
  Felizes são os que se contentam!... Com suas posses, suas capacidades (com elas e tão somente com elas); com as próprias limitações, afinal - felizes e satisfeitos com a mediocridade de simplesmente existirem e nada, nada mais que isso. Pois raros são os belos e os criativos, bastos de deleites; irritantemente raros e castos e odiados, todos aqueles agraciados por sabe quem ou o quê - divindades, mistérios etc. Possuem tais, meus, queridos senhores, possuem tais alguma espécie de tormento ou desassossego? Aos diabos todos eles!... Muito bem. Sim, é bem verdade, é possível que exista uma atribulaçãozinha aqui ou ali; mas, não obstante, jamais uma verdadeira mazela, algo digno de piedade e desgosto, algo assim de forma alguma ser-lhes-á infligido. Quando falecerem, farão parte da História - a eterna solidão não lhes está reservada. Apenas, assim como eu, apenas aos comuns, aos esquecidos, aos maltrapilhos - esmagados pelo Progresso... A estes, a felicidade não passa de submissão e renúncia. E, ademais - por deus e por todos os mistérios que haja por aí!... -, ademais eu juro, senhores, eu juro que seguirei recusando qualquer migalha ridiculamente oferecida em troca de minhas inquietudes!
  A semana passada me esgotou por completo. Insônia, restrições calóricas etc. A profissão, as minhas horas inúteis - a incapacidade de me livrar de certos incômodos... Ansiedade, intolerância. Preciso de férias, senhores, férias!... Mas, não obstante, o que fazer com elas? Insisto: o que fazer! Ceder espaço a todos os meus demônios internos? Dá-lhos asas, tornar de vez alada a minha caneta? Projetos, diversão, prazeres - quais, pois então, quais? Descanso - uma trégua... Não, não! Eu aspiro à minha obra! E esta, senhores, esta não me permite tais frivolidades. Muito bem, muitíssimo bem! Além do mais, momentos agradáveis não combinam com minha ordinária condição (ah!, como odeio tudo isso...) - sobreviver é preciso, meus caríssimos senhores; sobreviver realmente é preciso.
  Diabos!, mas onde estou com a cabeça? Pois a ideia não é essa, trata-se justamente do contrário... Perdão, meus senhores, mil perdões por sinal! A força do hábito se fez mais uma vez pioneira em minhas intenções. Mas, não obstante, de tudo isto se foi possível extrair minha plena sinceridade. Pois bem. Meu objetivo, senhores, a finalidade de tais equivocadas linhas era introduzir minhas considerações sobre o acaso, o inesperado etc. (Ao final - e quanto a isto, dou garantias de minha parte -, ao final tudo acertar-se-á!) Palavras imprevistas, nada mais que palavras imprevistas...

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  Pois bem, senhores, o porvir; sábado, domingo etc. E a minha condição, a mesma - nada, nada demais afinal. A não ser pelo acaso... E não tratar-se-ia de um quê excepcional, mas tão somente de outro ponto de vista (outro ser, outro pensar). Mais singelo, senhores... Puro, claro, inocente - sem ornatos ou enfeites. Talvez um novo conceito, quiçá uma possibilidade. Decerto que longe de meu alcance, é bem verdade. Mas, não obstante, um olhar - um olhar a me despertar respeito e indagação.
  Lamentos, chagas, aflições, tudo isso independe de requisitos para subsistir. Ainda assim, meus senhores, ainda assim as suas intensidades são mediadas por certas particularidades. A ignorância e a resignação as reduzem de modo considerável; a revolta e a inquietação surtem um efeito adverso. Não é costume de uma mente perspicaz tomar favores em semelhante discussão, pois esta possui, creio eu, a audácia de romper quaisquer restrições - sejam elas morais, sociais ou conscienciosas. E é justamente aí, senhores, justamente neste ensejo que me situo. Estagnado, torpe, perturbado. Privado de expectativas. E aqui chegamos onde desejara, com todas estas linhas sem sentido, conduzi-los: à necessidade da beleza, da curiosidade e de justas causas para almas irrequietas como a minha. (Um coração, senhores, um simples e novo coração...)
  Como semáforos que se abrem num repente em carreira, feito festa de última hora ou qual dinheiro encontrado em bolsos esquecidos, tal ensejo me ocorrera. E esse outro ser, esse outro pensar, do qual prima imagem se trata pela leveza, assim, sem mais nem mais, surgira em meu arredor. Alguém que, diferente de mim, despreocupa-se com tantos orgulhos, tantas vaidades. Alguém que, com tamanha singeleza, cabe unicamente em seus traços, seu lugar - e cabal assim se faz maior. Mulher, indivíduo, alma, imensidão, consciência/ consistência. Risos e sorrisos - e não mais que isso, senhores, não mais que isso.
  Tal encontro me fizera vergar, ocultando-me anelos e afãs. Semelhante criatura me instigara a crer em improváveis caminhos - talvez, senhores, talvez até confiar na Esperança!... Pois bem. E certo liame passara a ser visto como tangível: o encanto, as delícias, e a mim; meu ser, minhas ânsias, meus indagares, minhas impossibilidades...
  Ela simplesmente chega e diz, condescendendo, plena de si: “Oi!”. Um afago, um gracejo, e, tão claro e natural, germina-se um sol.
  Ingênuo, modesto, resoluto. Insólito.
  Fim de ano. O desfecho, senhores, bom ou vil, baldo ou préstimo. Mas, não obstante, de tal fim, compõe-se um novo preâmbulo.
  (Por deus, por que tanta lamúria?, para quê!...)

2 comentários:

Dulce Johann disse...

Ângelo!
Muito bom seu texto. Estou admirada com sua eloquência. Bem que eu gostaria de saber usar, às vezes,o seu vocabulário. Mas cada um com seu talento e seu estilo.
Orgulho-me de você e imagino como seu pai, lá do outro lado da Vida, deve estar contente.
Outorgo-me o direito de um conselho, apesar de que você não aprecia muito conselho de mãe...
Vai em frente; você tem talento para ser um bom escritor, desde que observe algumas normas: Humildade - não busque palmas e glórias, não ambicione as riquezas terrenas; faça da escrita um meio de crescer como pessoa cada vez melhor para si mesmo e para o mundo. A escrita tem valor terapêutico; auxilia nosso crescimento e realização.
Muita Luz para você!
Dulce.

£an disse...

Enfim, após tantos "dias de chuva", nasce um Sol! E este sol, será a esperança? A renovação? A chuva tem seu valor, então, porque nos faz percebê-lo com toda sua beleza... Ou, talvez, perigosamente, nos faz agarrá-lo como um náufrago em desespero agarraria um pedo de madeira em alto-mar. Só você pode determinar quão importante este Sol é.
Quanto à mediocridade, ao conformismo e ao esquecimento... A meu ver, o ato primordial de percebê-los e rejeitá-los já nos dá certo "quê" de diferença. Talvez não sejamos tão pequenos! hehehe

P.S.: Hahahaha, eu tô veno que você tem a quem puxar, einh Sonny? Coisa de família... ^_^